Em “Storytelling: Histórias que deixam marcas”, Adilson Xavier – escritor, criador publicitário e roteirista – traz três definições “artesanais”, como o próprio autor denomina, sobre o que é “storytelling”. Partindo de um resumo bem prático (e pragmático), podemos entender que tal palavra significa nada mais do que “a tecnarte de elaborar e encadear cenas, dando-lhes um sentido envolvente que capte a atenção das pessoas e enseje a assimilação de uma ideia central”. Mas, muito além disso, o autor ainda traz a definição pictórica, em que diz que o “storytelling é a tecnarte de moldar e juntar as peças de um quebra-cabeça, formando um quadro memorável”, e a definição poética, ao qual simplifica o significado na “tecnarte de empilhar tijolos narrativos, construindo monumentos imaginários repletos de significado”. Dentre das três definições, acredito que a que mais se assemelha ao que vou lhe contar, sem dúvida seria a pictórica.
Mas, antes devo explicar que não, ainda não cheguei ao nível de loucura de faculdade X trabalho para trazer conceitos pouco relevantes para os meus reviews. Então, caro leitor, deixo aqui explícito que este meu review sobre o novo álbum do duo Twenty One Pilots, “Scaled and Icy”, pode (e precisa!) ser explicado com o conceito de storytelling.
Sobre a banda, ou melhor, o duo!
Você, provavelmente, já deve ter ouvido falar sobre o duo norte-americano há algum tempo. Formado por Tyler Joseph (vocalista e tecladista) e Joshua Dun (baterista), a banda ficou mundialmente reconhecida a partir do álbum “Vessel” (2013). Músicas como “Holding On To You” e “Car Radio” marcaram a ascensão do duo pelo mundo, principalmente por conta de seus arranjos diferentes do comum e suas letras que evidenciavam ainda mais a dor que o ouvinte carrega consigo.
Dois anos mais tarde, “Blurryface” (2015) ganhou vida. O álbum, que até então somaria apenas a discografia da banda, trouxe com força a criatividade que o vocalista possui. E é aqui que o storytelling começa, apesar de achar que tudo acontece desde o primeiro álbum do duo, o self-titled lançado em 2009. A faixa “Stressed Out” talvez tenha sido responsável pela fama repentina da banda, mas, para os fãs, o álbum tem um significado muito maior.
Neste disco, Tyler e Josh apresentam ao mundo o Blurryface (cara-borrada, em português). Em uma das milhares de entrevistas pelo mundo afora, Tyler contou o seu conceito de Blurryface, em que afirma que ele é “um personagem que representa tudo sobre o que eu, como indivíduo e, também, todos que conheço, tem de insegurança sobre o mundo. Quando penso sobre isso, e como elas tiram o que considero o melhor de mim, isso me traz uma sensação de sufocamento”. Tal definição explica a caracterização do vocalista nos palcos, em que ele pintava de preto o pescoço e as mãos representando tal ideia.
A partir daí, Tyler foi construindo sua primeira narrativa no mundo da música. A cor preta do corpo ia sumindo de acordo com os shows que a banda ia realizando ao longo do Planeta, como se as inseguranças de Tyler fossem desaparecendo.
“Eu sou muito inseguro com as coisas que crio. Então a tinta preta nas minhas mãos e pescoço durante shows e vídeos representa o Blurryface, é assim que ele se manifesta. É apenas algo em que pensei, muito dramático, eu sei, mas isso me ajuda a entrar no personagem.”
Dramático ou não, o “Blurryface” foi o estopim do sucesso da banda, fazendo com que o álbum fosse o primeiro, na história, a ter todas as músicas com certificado de Ouro ou Platina pela Recording Industry Association of America (RIAA). Inspirado por tamanho retorno positivo que suas músicas estavam trazendo – e aqui eu falo não apenas no sentido monetário, como, também, no sentido significativo, uma vez que as canções contribuíram para dar voz as inseguranças dos fãs, e os fizessem acreditar em si -, Tyler se viu diante da criação de um mundo de oportunidades, em que poderia transformar suas aflições em letras carregadas de significados ocultos.
Recapitulando
Quase 3 anos depois, “Trench” (2018) chegou as plataformas digitais. O quinto álbum do duo serviu os fãs muito mais do que a era Blurryface, o que resultou na criação de dois locais diferentes: Dema e Trench. Mas, se você acha que tudo isso foi dito de mão beijada aos fãs, fique sabendo que esse não é o estilo da banda.
Infelizmente, por conta de tantas informações e acontecimentos importantes para essa construção de Dema, irei ressaltar apenas algumas definições, teorias e paralelos extremamente relevantes para o desenrolar da história, já que assim você conseguirá ter uma visão melhor de todo o storytelling de Twenty One Pilots e até notar algumas semelhanças com o mundo real.
- Dema
A cidade incorporada nas músicas do duo, é composta por 9 distritos e cada um é controlado por um bispo (Keons, Andre, Lisden, Nico, Reisdro, Sacarver, Nills, Vetomo e Listo). Tyler e Clancy descrevem a cidade com muros altos e grandes portões que trancam as pessoas lá dentro.
No mundo real, Dema é uma palavra iraniana que significa “torre de silêncio” e que teve origem no Zoroastrismo, uma antiga religião que acreditava na escarnação. Nela, era comum expor corpos nas torres mais altas para que aves se alimentassem, como os próprios abutres.
A estrutura da cidade em “Trench” lembra bastante a arquitetura do mundo real. Mas, em contrapartida, também é possível relacionar Dema ao nosso mundo, fazendo uma metáfora com os países e estilo de vida, em que somos cercados por muros e fronteiras, seguindo líderes que dizem saber o que é melhor para nós. Além disso, alguns fãs também relacionam com as fragilidades e problemas na saúde mental e como estamos sempre nos esforçando para superá-las.
- Trench
Cidade vizinha de Dema, Trench, é um acampamento mostrado no clipe de “Levitate” e que refugia os rebeldes (denominado Banditos), aqueles que lutam contra os líderes de Dema. Além disso, também representa a área inabitada ao redor de Dema que possui uma travessia difícil e que os rebeldes tentam fugir para chegar a algum outro lugar.
Na tradução para o português, Trench significa “trincheira” e é onde os soldados se escondiam e montavam suas bases em guerras, principalmente durante a Primeira Guerra Mundial.
- Clancy X Dema
O primeiro personagem da nova era apresentado para os fãs, é Clancy. Ele é autor de todas as cartas que foram encontradas pelos fãs ao longo de 2018/2019. Ao que tudo indica, Clancy é um dos que estão presos em Dema e que, mesmo que depois tenha conseguido escapar, ficou dividido entre Dema e Trench. Também é possível que esteja morto, já que uma das cartas estava acompanhada de uma foto com um corpo ao chão.
- Vialismo
É uma ideologia seguida e ensinada pelos bispos em Dema, sendo parte de um regime opressor e totalitarista. Alguns fãs notaram que há um conceito parecido chamado “Vitalismo”, ao qual era discutido nos séculos 18 e 19 e que tentava explicar a diferença entre seres vivos e objetos inanimados, além de fazer um estudo de uma possível energia ou elemento presente nos seres vivos, parecido com o conceito religioso de alma. Contudo, ainda não se sabe se isso realmente tem a ver com a história.
Vialismo também representa tudo o que os bispos são a favor, o que na teoria seria o contrário do que a banda prega. Por exemplo, Tyler fala bastante em seus shows a frase “Stay Alive”, o que simboliza a forma com que ele tenta ajudar as pessoas em seus momentos difíceis, dando todo o suporte para que elas possam realmente superar os dias mais sombrios. Nessa perspectiva, enquanto o duo prega a vida, Dema pregaria a morte.
- Abutre
Durante todas as pistas que foram lançadas antes de “Trench”, a ave que mais aparece é o abutre. Além de ser a capa do álbum de “Trench”, o abutre é um dos símbolos que mais parecem dar certeza de que Dema foi inspirado na religião Zoroastrismo.
Tyler fala bastante em “Levitate” sobre como a nossa sociedade é sedenta por sangue e por sofrimento, ou seja, todos somos abutres. Ele também se compara a um e diz que toda a sua arte é inspirada em sua dor emocional e todos os momentos difíceis pelo qual passou.
- Simbologia Trench
A era Trench também foi bastante marcada pelos símbolos acima. O primeiro deles seria o mapa de Dema, já que possui o formato circular e muros. O segundo, que parece um tridente, na verdade é a letra E com o traço do meio estendido, o que se refere a frase “East Is Up” (o leste está para cima) cantada em “Nico and the Niners” e encontrada nas cartas de Clancy, representando assim a verdade.
O terceiro é o logo da banda na versão atualizada e que significa a celebração da vida, junto com a cor amarela (a qual não é possível ser vista pelos bispos). Já o quarto símbolo, é o abutre, explicado anteriormente. Por último, a sigla FPE da letra de “Fairly Local”, em que o Tyler se refere aos fãs como “Few, Proud and Emotional” (Poucos, Orgulhosos e Emocionais). FPE também foi vista em uma das fotos do site dmaorg, em que Clancy conta sobre a fuga fracassada. Veja:
- Nico and the Niners
Como dito anteriormente, os distritos de Dema são regidos cada um por um bispo. Nas pistas lançadas pela banda, os fãs acreditaram que Nico seria o bispo líder e, portanto, o mais perigoso.
Uma curiosidade é que Nico é um apelido para Nicolas Bourbaki, sim, aquele grupo de matemáticos que se juntaram para escrever um Tratado de Análise e que criaram o pseudônimo na intenção de não mencionarem os autores individuais.
Nas primeiras imagens lançadas no site, temos a foto de André Weil quando pequeno, que é considerado o líder do grupo. A formação incial do grupo era André, Henri Cartan, Claude Chevalley, Jean Coulomb, Jean Delsarte, Jean Dieudonné, Charles Ehresmann, Possel René e Mandelbrojt Szolem.
Os 9 matemáticos (que coincidentemente lembram o fato de Dema ser controlada por 9 bispos) foram responsáveis pela criação do símbolo ∅ que representa um conjunto vazio e que foi incorporado no logo da banda.
Mas, voltando aos bispos, meses mais tarde, alguns fãs notaram que eles foram nomeados por Tyler de acordo com as músicas de “Blurryface”. Veja:
> Keons = “Choke on smoke” (Heavydirtysoul)
> Andre = “And repeat yersterdays dance” (Fairly Local)
> Lisden = “All I feel is denial” (Polarize)
> Nico ou Nigo = “When I got older all my fears would shrink” (Stressed Out)
> Reisdro = “Temperature is dropping” (Doubt)
> Sacarver = “She’s a carver“ (Tear In My Heart)
> Nills = “Beaten down I’ll slip away” (Goner)
> Vetomo = “Will they be alive tomorrow” (Lane Boy)
> Listo = “List of people” (Ride)
- “Jumpsuit”, “Levitate” e “Nico and the Niners”
Em 11 de julho de 2018, a banda lançou o primeiro single de “Trench”: “Jumpsuit”. Mas, a construção de narrativa da nova era, foi uma continuação do mundo de “Blurryface”, não é atoa que o clipe de “Jumpsuit” é uma consequência do último clipe do quarto álbum, “Heavyditysoul”. Entretanto, não é possível falar de “Jumpsuit” sem falar dos outros singles que o seguiram: “Levitate” e “Nico and the Niners”.
A trilogia mostra três momentos de Tyler entre Dema e Trench. Em “Jumpsuit”, por exemplo, Tyler está perdido em Trench após o acidente de “Heavydirtysoul”, sendo capturado por um bispo, mesmo com os Banditos tentando salvá-lo. Nesse clipe, Tyler tem o pescoço manchado de preto pelo bispo, o que faz com que lembremos das pinturas pelo corpo na era “Blurryface”. Logo, não demorou muito para os fãs entenderem que os bispos eram o próprio Blurryface.
No clipe seguinte, em “Nico and the Niners”, Josh e os Banditos salvam Tyler das garras dos bispos, durante a Reunião Anual dos Glorificados, como Clancy informou em uma das cartas. O que eles não contavam era que Tyler seria novamente capturado em “Levitate”, em que um dos bispos se infiltra no acampamento e acaba capturando Tyler de vez.
- Ned e “Chlorine”
No clipe de “Chlorine”, o duo apresentou Ned, um monstrinho fofo e sinistro ao mesmo tempo. Muitos fãs acreditam que tem a ver com a criação religiosa de Tyler, já que Ned de trás para frente fica Den e significa “caverna”, “cova” ou “toca”, se referindo a história bíblica de Daniel na cova dos leões.
Tyler fala bastante sobre a sua fé nas canções e em “My Blood”, por exemplo, há um verso que traduz a ajuda oferecida por Tyler para ajudar alguém que esteja na cova dos leões e não consegue sair.
“If you find yourself in a lion’s den;
I’ll jump right in and pull my pin;
And go with you, I’ll go with you”
Ned, no entanto, também pode significar “End”, fim em inglês e que traz a “Chlorine” o significado profundo sobre consumir algo tóxico e potencialmente fatal, como o próprio Cloro. Logo, os fãs imaginam que o Ned na verdade pode ser um pequeno demônio, com chifres e tudo.
Por fim, há um terceiro significado de que Ned significa “Never Escaping Dema”, ou seja, “Nunca Escapar de Dema”. Nos três primeiros clipes, vimos como Tyler foi capturado várias e várias vezes pelos bispos, logo fazendo com que Ned representasse a imaginação de Tyler dentro de Dema, como a única forma de escape dele na cidade.
Scaled and Icy
Apresentado toda essa composição e significados ocultos, posso, agora, apresentar meu review sobre o novo álbum, já que se torna impossível analisar o álbum sem um background de fatos e, provavelmente, se assim fizesse, estaria passando informações sem pé e nem cabeça para vocês. Devo ressaltar, também, que muitas das informações aqui foram baseadas na Live Stream feita pela banda na última sexta-feira, 21.
Para começar, vale lembrar que em uma das poucas entrevistas que Tyler concedeu durante a pandemia, ele contou sobre a importância de fazer um novo álbum que pudesse distanciar os fãs da realidade triste e pesada em que estamos vivendo: a pandemia. Logo, apesar de muitos fãs terem achado “Scaled and Icy” (ou SAI, como é conhecido) um disco mediano, acredito que o álbum, na verdade, foi apenas um jeito de Tyler conseguir cumprir sua promessa sem se desvencilhar do mundo de Dema.
Composto por 11 músicas, “Scaled and Icy” é um álbum muito diferente do que todos os demais que a banda possui. Tyler já disse uma vez que não há um gênero musical que defina 100% a banda, apesar de serem definidos na mídia como um duo de Indie Alternativo. Mas, o fato aqui é que esse novo disco trouxe uma nova perspectiva sobre o duo na mídia e para com os fãs.
Em contrapartida, o álbum parece ser uma consequência de “Trench”, uma vez que, por estar tudo lindo e maravilhoso e ter o lema de “This Is a Propaganda” (apresentado na capa do single de Natal lançado pela banda em dezembro do ano passado), a ideia principal parece girar no fato de que a Tyler não conseguiu escapar de Dema, como imaginamos no clipe de “Levitate”, e que o álbum inteiro tenha sido controlado por Dema para que as pessoas se interessem em fazer parte da cidade.
“Scaled and Icy” começa com “Good Day”, uma música bastante animada que parece ter suas batidas uma inspiração de “I Want To Hold Your Hand” dos Beatles, com “September” de Earth, Wind & Fire. A canção foi perfeita para dar início ao CD e serviria bastante para os filmes de comédia do Adam Sandler. Porém, uma das características do TOP é trazer músicas animadas com letras extremamente profundas, e com “Good Day” não seria diferente.
Em uma entrevista para a NME, Tyler contou como a letra da música representa seu medo de perder sua esposa e sua filhinha de quase 1 ano. Além disso, Joseph conta que se caso isso acontecesse, ele ficaria em negação por um bom tempo, logo sendo representado na canção e no ritmo animado que ela representa.
A segunda música do álbum foi, coincidentemente, o segundo single que a dupla lançou antes do disco: “Choker”. A letra fala bastante sobre medos e inseguranças, como é possível ver em seu nome. O clipe, que foi lançado no começo do mês, traz também bastante essa ideia sobre o mundo de Dema. Ela também possui uma batida mais animada e o som da guitarra parece estar abafada até o início da segunda estrofe.
Depois de “Choker”, “Shy Away” começa e, para a cabeça cheia de teorias dos fãs, imagina-se que seja a continuação de “Shy Away”. Se você reparar que Josh transformou Tyler em um boneco e que, em “Shy Away”, o vocalista parece estar perdido e angustiado por estar em um lugar diferente, tudo parece fazer sentido, além de Trash (o dragão que Tyler tenta roubar em “Choker”) estar no tamanho real, o que indicaria que ele também está preso com Tyler neste novo mundo.
O clipe também lembra bastante o mundo invertido de “Stranger Things”, com coisas voando, sem luz e sem contato com o mundo exterior. O curioso é que Tyler parece não estar sozinho, já que Josh o acompanha durante todo o clipe.
“Shy Away”, assim como todas as canções de “Scaled and Icy” é uma canção com o ar de anos 80/90. Por ter sido o primeiro single do novo disco, foi um choque e tanto para os fãs, pois, mais uma vez, não possui as batidas pesadas e abafadas que é possível encontrar em “Blurryface”, por exemplo. E por falar em álbuns antigos, “Shy Away” carrega bastante referência de “Guns For Hands”, do álbum “Vessel”.
A quarta música já traz ainda mais essa batida dos anos 80/90, mas, com um ar mais moderno. “The Outside” é uma das queridinhas dos fãs do novo disco, além de fazer uma crítica sobre a indústria musical. A canção também proporciona uma vontade de dançar e cantar a plenos pulmões sua letra.
“Everybody stand in line;
One by one, take a hit, joint the club;
Kids will try to take my vibes;
Or am I on the outside?”.
Em seguida, tem-se “Saturday”, o último single lançado pela dupla antes do lançamento de “Scaled and Icy”. A música é uma homenagem a esposa de Tyler, Jenna, e ainda conta com uma participação dela em forma de áudio do aplicativo de mensagens. Ainda assim, Tyler não perderia a oportunidade de colocar uma mensagem escondida, não é mesmo? Durante duas vezes, a música parece ter um “corte”, o que é percebido no lyric vídeo e na canção original das plataformas de streaming.
“Never Take It”, a sexta canção de “Scaled and Icy” possui uma batida bastante leve e pesada ao mesmo tempo. Suas estrofes lembram bastante o Rock dos anos 90, como as que vimos em filmes adolescentes da época, mas, é totalmente quebrada (e não de uma forma ruim) pelas palmas que antecedem o refrão. Nesta música percebemos que a bateria é deixada um pouco de lado, o que é incomum nas canções de TOP.
Em sétimo lugar, tem “Mulberry Street”, outra canção que traz o ar de musicais e de filmes do Adam Sandler, mas que, de longe, é a segunda melhor canção do disco (a primeira falarei mais para frente). A música tem uma letra bastante profunda, e apesar de dizer repetidamente “Keep your bliss; there’s nothing wrong with this”, também reforça muito a frase “Get out of our way”, o que ainda não se sabe se é uma referência aos Banditos ou aos bispos. “Mulberry Street” também tem um solo incrível de piano e a presença dele durante toda a música faz toda a diferença.
Em seguida tem “Formidable”, uma canção que tem uma vibe mais romântica e uma batida muito mais leve do que as demais. Mais uma vez o baixo aparece com força na canção. Em contrapartida, a música parece uma conversa de Tyler com Clancy, talvez, em que Clancy parecesse contente em saber que tem um amigo dentro de Dema e que fica impressionado com a forma com que Tyler parece querer escapar da cidade, se lembrarmos que em uma das cartas, Clancy diz com todas as letras que parece dividido entre ficar em Dema ou fugir com os Banditos.
Logo após vem “Bounce Man”, mais uma vez com batidas de palmas ao longo da canção e que, diferente das demais, possui a presença de um trompete que faz toda a diferença na construção da música. “Bounce Man” é uma canção que fica grudada na cabeça e fácil de cantar, ainda que a letra se aprofunde no problema de ser pego pelos bispos:
“If they come knockin’ (pop, pop, pop);
Ain’t no stoppin’ me for you;
Just let me know you’re good on your amenities;
Got soldiers on my pedigree;
If you don’t reply;
I’ll know you must have crossed state lines”.
A penúltima canção é a mais sombria de todas, ainda que tenha um toque leve. “No Chances” é cantada e introduzida pelos bispos, em que dizem claramente “We come for you; no chances”. Ironicamente, é a melhor canção do álbum, já que remete as raízes da banda e Tyler traz versos em formato de rap. É nessa música também que vemos como os bispos estão determinados a capturar todo mundo e como os cidadãos de Dema vivem na cidade:
“We spent some weekends on the grind;
Surveillances outside, we see when you arrive;
Ride or die my son”
“Scaled and Icy”, então, termina com “Redecorate”, que volta novamente a ter batidas mais leves e a vontade de dançar. A letra parece ter sido derivada de uma das cartas de Clancy, o que fortalece a teoria de que o garoto estivesse morto. “There was a wonderful structure to the city, and it put my cares to rest”. Por outro lado, a presença do Hip Hop moderno deixa a música perfeita e faz com que o disco termine com chave de ouro.
Live Stream, 21 de maio
Tyler teve a excelente ideia de trazer “Scaled and Icy” com um show ao vivo transmitido via stream para os fãs, apesar de terem sido totalmente contras no início da pandemia, já que seus shows são marcados por experiências e interações com o público. Mas, durante os sete meses em que planejaram a live, Tyler e Josh conseguiram dar um jeito de proporcionar a melhor experiência para os fãs, não fugindo nem um pouco de suas raízes.
A live começa com Tyler sendo entrevistado em um programa de TV chamado “Good Day, Dema”. Durante todo o show, dá para perceber como estão realmente presos nos anos 80/90. Os apresentadores são totalmente “perfeitos” e sorriem o tempo todo. Tyler parece estar totalmente desconfortável e ambos os apresentadores parecem amar isso, eles brincam até com o fato de Josh não estar presente e de como o dragão na capa de “Scaled and Icy” parece algo sombrio demais para o CD.
Joseph, então, começa a cantar “Choker” e se permite sair do sofá e encontrar Josh para começar o show. O que os fãs notaram bastante é a disposição dos instrumentos, já que o piano tradicional de Tyler é trocado por um teclado que toma o lugar esquerdo do palco, diferente do que vimos nos outros shows.
A live é marcada por diversas referências ao mundo de Dema, como o fato de serem 9 dançarinos, a rua principal ter o nome de “Mulberry Street” e os comércios terem nomes das outras canções e serem numerados com o código de violação (a primeira pista sobre a nova era colocada no site dmaorg.info, 15398642_14). Tyler também produziu novos mashups das músicas e cada parte do show representava uma dor diferente.
Primeiro, a dupla começa com canções que remetem bastante a saúde mental: “Choker”, “Stressed Out”, “Migraine” e “Morph”. Com o passar das canções, as coisas parecem estar voltando ao normal, já que agora o piano está de volta e no lugar certo. Mas, como tudo não é perfeito, quando Tyler parece estar acordando para a vida real (ou caindo em sono profundo), o vídeo é cortado para uma propaganda em que os apresentadores tentam a todo custo vender o box de “Scaled and Icy”, ressaltando que as músicas são alegres, vibrantes e saturadas.
Já a segunda parte é totalmente formada por canções que falam sobre um tipo de controle, como “Mulberry Street”, “Lane Boy”, “Chlorine” e “Shy Away”. O que foi uma surpresa para os fãs é que, na nova versão de “Chlorine”, o “Blurryface” canta junto de Tyler. Mas, mais uma vez a alegria é cortada pela propaganda que, dessa vez, mostra como os apresentadores estão um pouco machucados.
Pulando para a terceira parte, além da participação especial de Debby Ryan (esposa de Josh), as músicas falam bastante sobre amizade, precisar de ajuda, sendo resumidas em: “The Outside”, “Heathens”, “Trees”, “Jumpsuit” e “Heavydirtysoul”. O espectador pode notar, também, que com o passar das músicas, tanto Tyler quanto Josh, parecem estar voltando as eras antigas e suas roupas são alteradas para as que os fãs já conheciam.
A última parte, que procede a partir da última propaganda em que os aparesentadores aparecem totalmente machucados e os fãs conseguem ver que na verdade são dois bispos disfarçados, as músicas são sobre fuga e sobre apoio emocional, sendo representadas por “Saturdays”, “Level of Concern”, “Ride” e “Car Radio”. O show, então, é interrompido por pessoas correndo e barulhos de alarme e de ambulância. Tyler vai até a rua principal e canta “Never Take It”, com a rua pegando fogo. Então, o vocalista caminha de volta para o programa e termina de cantar “Choker”, reforçando a frase “Nobody’s coming for me”.
Para concluir…
Se a ideia central da live foi deixar os fãs mais desesperados para um desfecho de Dema, o duo com certeza conseguiu. Ao passo que o CD traga o lado mais leve da banda, percebemos que, na verdade, isso não passa de um controle dos bispos e que, Tyler e Josh estariam presos na cidade, pedindo ajuda para escapar.
É por isso, caro leitor, que precisamos ressaltar a criatividade de Tyler para conseguir trabalhar com Storytelling e Semiótica da forma mais incrível possível, já que, devo lembrá-lo que, tanto a live quanto o álbum, foram produzidos por Joseph.
O fato é que, não haveria como dar nota 5 para “Scaled and Icy”, sem que pudesse explicar a você, toda a história por trás do mesmo. Afinal, se tem uma coisa que Tyler Joseph e Joshua Dun sabem fazer é prender a atenção do público com suas músicas, performances e talentos admiráveis.
Twenty One Pilots
Título do álbum: Scaled and Icy
Gravadora: Fueled by Ramen/Warner Music
Integrantes: Tyler Joseph e Joshua Dun
Nota: 5/5
Você pode ouvir o álbum completo pelo YouTube, junto com os lyrics videos, ou através de sua plataforma de streaming preferida.
- Veja também: Review | Olivia Rodrigo é um diário aberto em SOUR
Dica da autora:
- A banda disponibilizou dois sites para os fãs, em que é possível ver o processo de criação das letras (Inside the Lyrics), ao passo que você navega pelo mundo de Dema; e outro em que você consegue mexer com na Sala de Controle da cidade (Control Room).
- Você também pode entender mais profundamente o universo criado pelo duo, no “Guia do Trench” feito pelo portal brasileiro sobre a banda (Mutant Kids). Inclusive, as informações aqui apresentadas sobre o mundo de Dema tem como principal fonte o portal acima.