Hoje é o aniversário de 29 anos do Jão, um dos maiores nomes da música pop brasileira contemporânea, que nos últimos tempos tem conquistado cada vez mais reconhecimento internacionalmente.
O personagem desse astro atormentado é o retrato de alguém que sempre se sentiu um estranho, que nunca sentiu se encaixar, temática que, portanto, foge desse conceito sexualizado e positivo das músicas brasileiras que são tendência. Isso ressoou com seus fãs, que encontraram identificação em suas letras, ao mesmo tempo o deixou em uma espécie de limbo no cenário pop nacional. Qual é, afinal, o estilo de música que ele toca?
O som de Jão pode lembrar o de artistas sertanejos que tocam no rádio, embora esse não seja bem o seu gênero. No entanto, ele também não se encaixa na categoria folk / “good vibes” da nova MPB representada por artistas como Melim e Anavitória, nem na cena do “pop pistão”, como ele próprio descreve, que inclui artistas como Pabllo Vittar, Luísa Sonza e outros que flertam diretamente com o funk.
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Então, antes de explicar um pouco da trajetória que fez Jão ascender tão rapidamente, podemos responder a pergunta que nomeia esse artigo de uma forma bastante sintética: ele deu tão certo porque é sincero e original.
O menino do interior que veio para a cidade grande cursar Publicidade na USP
(Imagem: Produção do Jão / Reprodução)
João Vitor Romania, mais conhecido como Jão, é natural de Américo Brasiliense, interior de São Paulo. Em 2013, ele veio para a capital para cursar Publicidade e Propaganda na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. E foi lá – como depois revelou pelo seu terceiro álbum de estúdio, PIRATA – que ele conheceu dois dos principais elementos que o ajudaram a abraçar e a revelar uma grande parte oculta de si mesmo.
Lembro-me que, em um show da Turnê PIRATA, Jão explicou esse seu primeiro empurrãozinho para libertar a criança tímida que sempre foi afeiçoada à música. O momento é eternizado pela faixa “Meninos e Meninas” (que pode ter inspirações na canção homônima de Legião Urbana, 1989), da qual, além de uma ode definitiva à bissexualidade, ele narra que, em uma festa de república, performou “Vou Morrer Sozinho” (do seu álbum de estréia, LOBOS, 2018) para um rapaz e uma garota dos quais ele compartilhava um relacionamento afetivo íntimo – os fãs especulam que seja o trisal retratado em clipes como “Imaturo” (2018) e “Coringa” (2021).
Em 2016, Jão começou a postar covers no YouTube e a cantar em bares e karaokês de São Paulo, sempre auxiliado por Pedro Tófani e Renan Silva, amigos da faculdade, e que depois vieram a se tornar seus agentes musicais. Em uma entrevista para o Jornal do Campus da USP, Tófani declarou: “A ECA foi o primeiro lugar que encontramos para dar vazão às nossas vontades criativas. Não lembro a data exata em que oficializamos a parceria, porque tudo aconteceu de forma bem gradual. Ter esse lado pessoal tão alicerçado me fez um profissional melhor do que qualquer abordagem mais técnica teria feito”.
Jão se formou pela Universidade em 2018, também quando estreou seu primeiro álbum – o LOBOS, que muito diz sobre as amarras de um amor imaturo e os medos da infância frente à liberdade de ser e sentir que começou a conquistar com sua vinda para São Paulo.
Os pontuais sucessos de streaming e o investimento na produção de clipes (entre eles, o próprio “Imaturo”, filmado no Centro de Práticas Esportivas e na Escola de Educação Física e Esporte da USP), alavancaram o nome de Jão, preparando o terreno para os álbuns de sequência, que em poucos anos o tornaram um dos principais nomes da música pop brasileira, sobretudo com reconhecimento mundial.
Mas antes: todos que andaram para que Jão pudesse correr
(Imagem: Cazuza, Troye Sivan, Marisa Monte e Renato Russo / Reprodução)
Não é novidade para ninguém que já escutou atentamente algumas das músicas de Jão a sua fissura por Cazuza. Em “Essa Eu Fiz Pro Nosso Amor” (2019), ele revela que a tomada de referência pelo cantor se deu por inspiração de um antigo amor. No entanto, essa não é a única vez em que Jão o cita em uma canção – isso também ocorre em “fugitivos :)” (colaboração de 2021 com Luísa Sonza), e no próprio medley que fez entre “Codinome Beija-Flor” e “O Tempo Não Pára”, sucessos consagrados do seu ídolo.
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Ainda assim, Jão já citou se inspirar em grandes nomes femininos como Marisa Monte, Rouge e Kelly Key – uma de suas músicas favoritas, quando novo, era “Anjo” da diva. Na reinvenção do cantor na época do estouro de “Coringa” (2021), ele disse se inspirar fortemente em N’Sync na sua “busca pela batida pop perfeita”.
Eu, pessoalmente, acredito que existam dois nomes aos quais a música e a performance de Jão por vezes flertam: Renato Russo, por sua sofrência LGBT nas entrelinhas e seus intensos diálogos com uma infância perdida, e Troye Sivan, que é um ícone queer contemporâneo e abriu portas para a representatividade do amor romântico entre homens na música pop internacional com a trilogia de Blue Neighbourhood (2015).
Por fim, e não menos importante, podemos falar de todas as referências que Jão incorpora, também, em outros aspectos de sua arte, tornando-o, além de genial, também um artista que não tem medo de mostrar de onde vêm suas inspirações. Um exemplo é o clipe de “Idiota” (2021), single pertencente ao álbum PIRATA, que trouxe recortes diversos de filmes consagrados – Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976), Titanic (1997), 10 Coisas Que Eu Odeio Em Você (1999), Homem-Aranha (2002) e O Segredo de Brokeback Mountain (2005) –, além de um recorte que relembra o romance entre Ayrton Senna e Xuxa.
Haters gonna hate e como eles fortificam o fandom
(Imagem: Jão e Anitta no single “Pilantra” / Divulgação)
Desde o início da sua carreira musical, e como todo artista fadado ao sucesso, Jão vem enfrentando hate, mas isso se intensificou depois do lançamento do seu segundo álbum de estúdio, o ANTI-HERÓI (2019). No Twitter, as divergências de opinião são frequentes, mas grande parte das vezes, o ódio enviado ao cantor parece infundado.
Ora, ele não canta mal. As letras não são ruins (inclusive, algumas são extremamente poéticas). A produção é bem-feita – batidas pop que, quando dialogam com o brega, é de propósito. Seus shows entregam em carisma, performance e produção de cenografia. Então, por quê?
O influencer Gabe Simas explica em um tweet bastante cirúrgico:
Ainda bem que Jão e sua equipe souberam surfar em afluência com essa onda de maldizeres e tirar proveito de tudo para alavancar seu nome e faturar em views. É como já premeditava a pensadora contemporânea Melody: “Falem bem ou falem mal, mas falem de mim”.
Foi, então, em 2022, que Jão se consagrou como um dos maiores nomes da música brasileira, levando a Turnê PIRATA para todos os cantos do país e chegando, também, a esgotar casas de shows em Portugal. A turnê contou com um público de mais de 250 mil pessoas nas 38 datas, acumulou mais de R$ 30 milhões em receita, e o cantor chegou, inclusive, a se apresentar no Rock In Rio e no Lollapalooza daquele ano. O repertório incluía as músicas de LOBOS (2018), ANTI-HERÓI (2019) e um cover de Cazuza.
No ano de 2023, no costumeiro hiato entre os álbuns, no qual Jão se abstém das redes sociais e passa por um longo período em silêncio, o “menino do interior” lançou um single em colaboração com ninguém menos que Anitta. “Pilantra” casa de forma cativante a voz suave do cantor com o lado sensual da “girl from Rio”.
Além disso, a música, que acerta ao não buscar viralizar – e é justamente por isso que viraliza – aborda o tema de relacionamentos abusivos de uma forma poderosa e traiçoeira, fazendo com que muitos ouvintes possam se relacionar. Ufa, se bater mais de 1 milhão de streams em menos de 24h ao lado de Anitta é estar na pior…
A história de amor foi só o começo
(Imagem: Jão em SUPER / Divulgação)
Quem acompanhou essa trajetória de cinco anos de vida pública se perder num amor que não deu certo e se encontrar no amor que ele cultivou por si mesmo, sabe que o holofote sobre Jão ainda vai demorar para se apagar.
O faturamento absurdo e os shows megaproduzidos da Turnê PIRATA serviram para, entre outras coisas, mostrar que Jão não é só mais um cantorzinho que faz sofrência em música pop e desfila pelos palcos enrolado em uma bandeira colorida.
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Pelo contrário: se, no início da carreira, ele foi chamado de queerbait de timbre sintetizado, hoje ele esgota estádios, grita seus romances perdidos nos maiores festivais do Brasil, demonstrando grande domínio da voz, e exibe todas as vertentes de sua bissexualidade em clipes cheios de representatividade.
Não à toa, o lançamento de seu quarto álbum de estúdio, SUPER (2023), foi feito em uma performance ao vivo de entrada gratuita no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo, no dia anterior à sua estreia no streaming – e os ingressos esgotaram em menos de 2 minutos.
Um evento similar foi o show de encerramento da Turnê PIRATA, realizado em dezembro de 2022 no Vale do Anhangabaú, cujos 50 mil ingressos gratuitos esgotaram em pouco mais de duas horas. Com mais de 500 mil pessoas disputando por lugar na última audição apresentada no navio cenográfico de Jão, o site congestionou e saiu do ar algumas vezes.
E com relação ao reconhecimento pela crítica, Jão já soma quase cem indicações em premiações da música nacional e internacional, sendo que já venceu quinze. Entre eles, o de Melhor Álbum no MTV Millenial Awards Brasil de 2022, com PIRATA, e o prêmio de Homem do Ano Na Música no mesmo ano. Também em 2022, ele foi votado pelos internautas como a melhor performance nos shows de abertura do Grammy Latino, com “Idiota”.
É, definitivamente a lista de conquistas de Jão vai muito além desses tantos meninos e meninas que ele já amou ou quem ele chama nominalmente em “Barcelona” – “Lúcia, Pablo, Héctor, María / La más bella despedida…”.
O conceito por trás de J1, J2, J3 e, enfim, J4
(Imagem: Capas de LOBOS, ANTI-HERÓI, PIRATA e SUPER / Reprodução)
Depois de LOBOS (2018), ANTI-HERÓI (2019) e PIRATA (2021), Jão anunciou o quarto álbum, SUPER (2023), no início de agosto, junto com uma carta. Ele contou, em suas redes, que pretendia finalizar um ciclo da história de seus vinte anos, baseado nos elementos terra, ar, água e, finalmente, fogo.
O diálogo com os fãs através das cartas virou tradição desde seu primeiro lançamento dee estúdio, quando o astro começou a compartilhar seus sentimentos pessoais fora das melodias, e viu na vulnerabilidade, para além do carisma demonstrado nas redes, uma importante ferramenta para atingir o páthos do público.
As cartas, para além das próprias letras das músicas, demonstram um gradual caminho de autodescoberta e conquista de liberdade, não necessariamente nessa ordem, que Jão trilhou desde que começou a aspirar ser um músico famoso, e a evidente redenção em SUPER.
A narrativa é simples e pode até soar clichê, mas nos mostra um menino inseguro e machucado pelas próprias expectativas e as dos outros, que em dado momento se enxergou como o vilão da história. Mas, ora, todo mundo é o vilão da história de alguém – e eventualmente Jão, que é gente como a gente, entendeu isso tudo e reescreveu, em suas próprias palavras, a sua versão da história. Por fim, fechando o arco, ele se perdoou, ateou fogo em suas inseguranças e queimou como a estrela que, desde o início, estava predestinado a ser.
É interessante perceber, em SUPER, ainda, as diversas referências que faz pelas músicas dos três álbuns anteriores. Por exemplo, em “Julho”, Jão canta “Em cada canto que eu vou / Eles me perguntam se / Eu já sei o que o amor / Vira quando chega o fim”, dando um ponto final ao questionamento colocado em “Acontece”, faixa 5 de seu terceiro álbum – “O que o amor vira quando chega o fim?”. A mensagem geral é clara: seguir em frente não significa esquecer; significa apenas se acostumar com a ausência.
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Falando a nível íntimo, gosto muito do diálogo que ele faz com a oitava canção de LOBOS, intitulada “Eu Quero Ser Como Você”. A resposta – “Eu Posso Ser Como Você” – traz um Jão cinco anos depois, muito mais maduro e, para todos os efeitos, empoderado, que não apenas foi leal às próprias escolhas, como já está em paz com o passado.
Em suma, o ciclo de quatro álbuns do cantor é uma ode à autoaceitação e um hino definitivo à jornada do amor próprio.
O que vem aí na Superturnê do Jão?
(Imagem: Jão no The Town 2023 / Reprodução)
Nós já sabemos que a produção de Jão entrega tudo em cenários e efeitos especiais, e que o cantor, ele próprio, se joga na performance e não deixa de interagir com o público, mesmo tendo um script muito bem ensaiado.
Em 2023, semanas após o lançamento do último disco nos streamings, se apresentou na última noite do The Town, em São Paulo, e deu muito o que falar pelos veículos de mídia. O palco, protagonizado por um enorme dragão cenográfico, levantou diversas linguetas de fogo, ao passo que se exibia o ardor desse elemento em imagens mais abstratas, projetadas no telão.
Ele entrou de uma forma apoteótica, sob fogos de artifício, e fez um medley entre “A Rua” (2019) e a animada “Escorpião”, que abre o novo álbum. A apresentação chegou com uma energia avassaladora – e a plateia recitava cada palavra da letra de cor. Não havia necessidade de pedir ao público que se levantasse, pois todos já estavam pulando desde os primeiros acordes.
E não faltou sensualidade e presença de palco, como sempre! “Eu vim gostoso pra vocês”, disse ele em uma de suas interações com o público, que entoava o grito “Jão, lindo, tesão, bonito e gostosão”.
A Superturnê será iniciada oficialmente no dia 20 de janeiro de 2024, em um show – já esgotado – no Allianz Parque, estádio da cidade de São Paulo. Até então, a equipe do Jão já confirmou 15 apresentações pelo Brasil, com datas agendadas até maio do ano que vem.
Por aqui, esperamos muita pirotecnia e um repertório genial. Ah, e que o Jão voe montado no dragão, também! E você? Quais são os palpites sobre o que vem por aí?
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