Opinião | J.K. Rowling, assim como Voldemort, nega o amor e escolhe ferir

Há exatos 40 anos, Harry Potter nascia. Isso mesmo, o personagem tão querido nasceu em 31 de Junho de 1980. Desde seu nascimento – e ao longo de sua vida inteira – o amor foi uma peça fundamental na construção da vida do bruxo, e na saga como um todo – mas aparentemente esse não é um ideal tão forte para J.K. Rowling, autora da saga.

O amor, que é uma grande lição ensinada na franquia de livros, na qual muitos dos Potterheads – nome dado à quem é fã da saga – levam para a vida inteira. Porém, esse sentimento que é tão pintado em todos os livros, seja na forma de amor materno, de amizade, da família e muitos outros, está em se contrastando drasticamente com o que Rowling anda fazendo ultimamente.

Não é de hoje que os fãs sabem dos posicionamentos controversos da autora, que é muito ativa no Twitter e tende a se posicionar frequente na plataforma. Foi em – várias – publicações que os Potterheads e o mundo viram, de fato, quem Rowling é. A escritora, que já se mostrava um tanto quanto problemática com a criação de personagens diversos, acabou mostrando que é preconceituosa. Principalmente com pessoas transgênero.

O que é transfobia?

Basicamente, a transfobia é o preconceito e ódio direcionado a pessoas trans. Essas ações podem ser manifestadas de forma a afetar diretamente o físico, psicológico e moral da pessoa trans.

No Brasil, pessoas trans são altamente marginalizadas, o que afeta diretamente nos dados que temos sobre essa parte da população. Em 2017, 11 pessoas trans por dia sofriam violência no Brasil, de acordo com o Sinan, parte do Ministério da Saúde. Além disso, em 2019, houveram 132 assassinatos, de acordo com levantamento da Transgender Europe. Esses números são absurdos e podem ser mais absurdos ainda se considerarmos que os casos são subnotificados devido a marginalização de pessoas trans.

Discurso de ódio mascarado

Assim, mesmo não admitindo ser transfóbica, a escritora compactua com dizeres transfóbicos. Como?

“Se sexo não é real, não existe atração pelo mesmo sexo. Se sexo não é real, a vivência de mulheres globalmente é apagada. Eu conheço e amo pessoas trans, mas apagar o conceito de sexo é remover a habilidade de discutir significavelmente a vida de várias pessoas. Não é ódio falar a verdade”

Mas Rowling…. ninguém quer apagar o conceito de sexo. Assumir que o outro te fere por ser quem é, é extremamente preconceituoso. Uma escritora do alcance e engajamento que nem Rowling deveria usar sua plataforma para educar e conscientizar seu público, não disseminar discurso de ódio mascarado de opinião. Após a repercussão negativa de seus comentários, a autora optou por escrever um texto de 3.700 palavras sobre o tema: “Eu recuso a me curvar a um movimento que acredito estar causando dano ao tentar corroer a ‘mulher’ como uma classe política e biológica e oferecer cobertura a predadores“.

E é discurso de ódio porque, em diversos tweets, a escritora diz que a identidade de gênero das pessoas – isto é, se a pessoa se identifica como mulher, homem ou não-binária – é definida exclusivamente pelo sexo biológico. Assim, ela se recusa a acreditar na existência de pessoas trans, que é o principal problema de seu discurso.

Confira também:

Voltando para Harry Potter, é muito difícil pensar que a autora, em vez de se abrir ao desconhecido e optar por estar na posição de aprendiz que não sabe todas as verdades do mundo – porque ninguém sabe – ela opta por ser “cabeça-dura”. Autores como Rick Riordan, que assim como Rowling, não tinha uma grande gama de diversidade em seus livros, começou a incluir personagens diversos conforme seus livros foram sendo criados e as vozes dessas pessoas, ouvidas. Riordan não inventa que algum personagem já criado por ele – e sem alguma intenção de ser diverso – do nada é diverso. Inclusive, essa é uma das duras críticas que a mídia e os próprios fãs de Harry Potter fazem, já que a escritora começou a ser conhecida por postar “curiosidades” que determinados personagens eram diversos décadas após o lançamentos dos livros e sem qualquer menção a tal diversidade nas páginas e capítulos.

Escrever sobre amor não significa praticá-lo

Voltando ao elemento que praticamente amarra toda a história de Harry Potter, o amor não parece estar mais presente em J.K. Rowling. Não nos mesmos moldes que a autora prega em seus livros, pelo menos.

Amor, como Dumbledore diz incansavelmente para Harry, é sua armadura, já que é a única coisa que o bruxo possui que Voldemort não tem. O amor protegeu Potter quando sua mãe se sacrificou por ele, tanto que Quirrell em “Harry Potter e a Pedra Filosofal“, não consegue tocá-lo sem se machucar, já que esse sacrifício – consequente de uma ação por amor – funciona como proteção.

Confira também:

A mesma coisa acontece mais para frente nos livros, quando Voldemort, ao utilizar do sangue de Harry para voltar a forma “humana”, acaba fortalecendo o vínculo que os dois tem e permite que Harry sobreviva somente enquanto Voldemort viver também. No mundo mágico dos livros, o amor é uma força tão absoluta e poderosa que é considerada uma forma de mágica anciã, e é estudada pelo Ministério da Magia.

“Há uma sala no Departamento de Mistérios – interrompeu Dumbledore -, que fica trancada o tempo todo. Contém uma força que é ao mesmo tempo mais maravilhosa e mais terrível que a morte, que a inteligência humana, que as forças da natureza. É também, talvez, o mais misterioso dos muitos assuntos para estudo que residem lá …” – Harry Potter e a Ordem da Fênix

Então o amor, que é essa força inexplicável que se mostra de tantas formas e facetas no mundo mágico, não necessariamente é o que é pregado pela autora aqui fora, no mundo real. O que é muito triste, para não falar pior. Harry Potter cresceu com essa geração (Millennial/Geração Z) e é a mesma geração que ativamente prega o amor e luta pelas causas que acredita – assim como o Trio de Ouro fez. Ver a autora da saga de livros que você tanto adora ir contra tantos princípios estabelecidos em seus próprios livros é desapontante, e provoca um gosto amargo na boca.

A resposta dos fãs

Em Junho, o The New York Times fez uma matéria sobre os sentimentos dos fãs da saga a respeito de tudo que a autora havia falado até então. “J.K. Rowling nos deu Harry Potter, mas nós criamos o fandom. Isso é nosso por direito” e “Eu não preciso da J.K. Rowling” foram alguns dos comentários feitos por fãs transgênero e não-binários.

Além disso, diversos fãs começaram um movimento de negação a existência de Rowling, dizendo “Harry Potter é nosso” e “Harry Potter na verdade não tem autor, ele simplesmente apareceu“, como forma de tratar com o humor uma situação lamentável.

@wack_wizard

Sick of seeing a terfs name on my bookshelf 🙂 ##harrypotter ##jkrowling ##foryou ##terf

♬ Why are you crying – 抖音小助手
@swimcoachlibby

##fyp ##foryou ##foryoupage ##jkrowlingisaterf ##jkrowlingiscancelled ##lgbt ##transrights ##xyzbca ##pride ##genderfluid ##adhd ##epilepsy.

♬ original sound – swimcoachlibby
Conclusão

É nada mais do que decepcionante ver a criadora de uma saga que um dos principais princípios é o amor ser inexplicavelmente tão preconceituosa. J.K. Rowling precisa urgente se colocar em posição de aprendiz em vez de assumir que sabe todas as verdades.

Aparentemente é necessário a autora ler sua obra e se inspirar em Harry, que tem muito o que ensinar. Porque tratar com tanto descaso uma obra tão bonita como Harry Potter fazendo comentários preconceituosos e se recusando a aprender, lembra a irredutibilidade e inflexibilidade de Voldemort, que não só foi uma das maiores ameaças do mundo bruxo, como também se recusava a aceitar opinião contrária da sua. E todos vimos no que isso acarretou.

Gabrielle Yumi
Jornalista e sócia do Quarto Nerd, sou apaixonada por cultura pop e whovian all the way. Busco ativamente influenciar e ampliar a voz de mulheres no meio geek/nerd. Cabelo colorido e muito pop é quem eu sou dentro do meu quarto nerd.