Opinião | 365 DNI e seus diversos problemas e como certas pessoas ainda não entenderam a seriedade dos mesmos

365 DNI

Em pleno 2020, século 21, enquanto o mundo está cada vez – mais – lutando fortemente por direitos iguais para homens e mulheres, brancos e pretos, é inacreditável como uma trama TÃO problemática como 365 DNI consiga fazer tanto sucesso.

Não é segredo pra ninguém que a indústria pornográfica é recheada por machismo, e Hollywood não está muito longe disso. Mas o filme italiano, com um grande investimento, consegue trazer machismo, sequestro, obsessão, tráfico de drogas, tráfico de menores, estupro e Síndrome de Estocolmo, e ainda assim ser aplaudido pelo público. Aparentemente, todos os problemas da trama podem ser esquecidos, isso graças ao ator de Massimo, Michele Morrone.

Mas será que tais problemas seriam esquecidos se o mesmo fosse diferente? Claramente a resposta é não. 

O Início
365 DNI e seus diversos problemas e como certas pessoas ainda não entenderam a seriedade dos mesmos

É difícil vermos casais bem construídos no cinema e na TV, poucos trazem um relacionamento saudável e bem construído – como Amy e Jake, de Brooklyn Nine-Nine – mas a grande maioria, se baseia em brigas, confusões e claro, alguém sendo abusivo. Mas esse nem é o problema INICIAL de 365 DNI.

A trama se inicia com o que parece ser a única coisa boa que esse filme trará, sua fotografia. Logo vemos alguns homens conversando sobre o que seria um barco com jovens garotas, onde um deles não exita em ‘oferecer’ ao parceiro uma jovem de 14 anos para ele.

O que isso parece pra você? Garotas de férias em um cruzeiro? Ou meninas sequestradas e mantidas em contêineres atravessando o oceano, tiradas de suas vida e famílias. Podendo serem usadas como escravas sexuais ou serem mortas e terem seus órgãos vendidos? Mas tá tudo bem, o homem é bonito não é mesmo? Não, não está tudo bem!

Na sinopse, a trama diz que a jovem é sequestrada por um homem da máfia siciliana – o líder dela. Logo após esse diálogo – escroto – o pai do que aqui claramente vai ser introduzido como o galã, leva um tiro. Tiro que acaba atravessando a costela de seu pai até atingir sua barriga. Enquanto o galã de araque está caído no chão, o rosto da moça que ele observava na praia enquanto conversava com seu pai aparece em sua visão, para que assim a trama consiga explicar sua obsessão pela moça. E então se dão início aos imensos cortes, e a trama pula para 5 anos no futuro.

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Assim somos introduzidos à Laura – mesma moça que o Massimo observava e sonhava na praia – em sua vida tediosa e sem o prazer da vida. E é dessa forma que o filme tenta mostrar que a vida da moça é um porre, que ela é a pobre donzela solitária, sem carinho e sem amor do seu pobre marido. Assim, o filme tenta amenizar o que está por vir.

Em uma viagem com seu marido e sua amiga, a jovem acaba tendo o primeiro contato com o que aqui deveria ser o vilão, não o galã. Laura pede licença e se retira para ir ao banheiro, então a personagem atravessa o campo que está seus amigos e vira em o que seria o pesadelo de qualquer mulher. Estar sozinha em um lugar a noite, onde você tem que passar por uma corredor escuro é assustador.

Só quem já sentiu isso sabe, mas o filme faz questão de transformar essa cena no momento bad-ass do seu vilão/galã. Quando a personagem exita com medo, com a intenção de voltar aonde se sinta segura, Massimo aparece, e sussurra um breve “Are you lost baby-girl?” (você está perdida baby girl?). Quando você está a noite, sozinha e um homem te encurrala e diz algo assim, o mínimo que uma mulher sente é nojo e medo, e todas nós correríamos, ou sairíamos o mais rápido possível dali. Com a pior expressão possível, felizmente, Laura sai dali.

Roteiro

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É inacreditável que o filme seja baseado no trabalho de uma mulher – mas até J.K Rowling piora a cada tweet. Porém é mais inacreditável ainda que foram precisos 4 pessoas para escrever um roteiro bagunçado desses baseado no trabalho de uma 5ª. A trama é uma completa bagunça, sua linha temporal é totalmente desanexa, e tal zona é feita devido aos seus exagerados cortes. Hora a jovem está com sua amiga, hora está sozinha, e por algum motivo está sozinha a noite na rua em um país que ela não conhece, e assim, Laura é sequestrada.

Nossa protagonista acorda em um quarto de luxo com roupas diferentes – o que já é um sinal de violação. A mesma levanta, sem um pingo de preocupação em seu rosto, bate na porta e com a maior calma do mundo volta para a cama. É inacreditável como Laura lida com essa situação, qualquer mulher estaria em desespero, procurando uma saída, horas depois alguém destranca a porta e ela sai. Enquanto passeia pela casa, como qualquer pessoa calma que visita um museu em uma quarta-feira, a mesma encontra seu sequestrador da mesma forma nojenta que a abordou em algum momento antes – como dissemos, linha temporal confusa.

Após encontrar um quadro seu na parede, Massimo explica para ela que não está à sequestrando, está “dando à ela a chance de se apaixonar por ele”. Vamos lá, o cara persegue ela durante sua viagem, envia homens para sequestrá-la, manda alguém trocar suas roupas, mantém ela trancada no quarto, por 365 dias, mas isso é apenas uma oportunidade para ela se apaixonar por ele?

Síndrome de Estocolmo

365 DNI e seus diversos problemas e como certas pessoas ainda não entenderam a seriedade dos mesmos

Logo após o diálogo mais sem noção de 365 DNI – ou de todos os filmes da história – Massimo diz que não tocará nela sem sua permissão. E na primeira oportunidade que Laura tem ela consegue pegar a arma de Massimo, mas não atira. Dispara com um discurso sobre não ser um objeto, mas é facilmente vislumbrada pelo dinheiro do homem. Em nenhum momento a moça demonstra medo ou repulsa pelo homem, ao contrário, usa de seu tempo livre para provocá-lo. Massimo então começa a tentar ganhar a moça, mas não é com seu charme, com suas qualidades, é com seu dinheiro, leva ela pra compras, assim comprando a jovem com dinheiro.

A sociedade vê as mulheres com sua bela aparência e seus interesses, as coloca em pequenas caixas e as obrigam a se encaixar nesses padrões. 365 DNI fortalece essa ideia que mulheres podem ser vencidas por interesse, aqui no caso dinheiro. Quase 30 minutos de filme e Laura desfila pelas ruas com diversos seguranças carregando suas sacolas, e nenhum momento aparenta preocupação. Após diversas oportunidades, finalmente Laura abraça uma e corre para pedir socorro, mas claro que Massimo tem um certo controle sobre a polícia. A mesma usa a oportunidade para pedir que Massimo libere a ela um notebook e celular, ele aceita.

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Na cena seguinte vemos que Laura chega a seu quarto e o notebook e celular já estão em sua espera, agora é o momento ideal para ligar para alguém pedindo ajuda, certo? Não na cabeça de Laura. A mesma liga para a mãe e avisa que está tudo bem, que arrumou um trabalho por um ano, e que ficará onde está durante esse tempo. Ou seja, ela está mentindo. A que ponto chega o ser humano a aceitar a situação de submissão que está? Passando a ter empatia por aquele que a colocou nessa situação? Esse estado psicológico – Síndrome de Estocolmo – acontece quando um refém, após um prolongado tempo de intimidação e a existência de relações de poder e coerção, os mesmos passam a acreditar que não há como escapar daquela situação.

Dessa forma, as vítimas procuram evitar comportamentos que desagradam os raptores, as pessoas tendem a ter tais pessoas com simpatia, amizade ou até mesmo como amantes. Um exemplo disso é o de Natascha Kampusch, a escritora do livro 3.096 Dias, que viveu oito anos em cativeiro. “Eu ainda era apenas uma criança, e precisava do consolo do toque (humano). Então, após alguns meses presa, eu pedi a meu sequestrador que me abraçasse”.

Assédio Sexual
 365 DNI e seus diversos problemas e como certas pessoas ainda não entenderam a seriedade dos mesmos

Lembram que lá no começo Massimo disse que não tocaria na Laura sem seu consentimento? É claro que o mesmo não cumpre sua promessa, quando Laura não aceita uma de suas ordens ele a amarra no banco de seu jato, assim como na imagem acima. Impossibilitada de se mover, Massimo – sem a sua permissão – começa passar a mão por seu corpo e, tomada pela Síndrome de Estocolmo, a mesma reage de forma positiva, e a partir dali começa a desejar seu sequestrador. Na ilusão de estar presa nessa síndrome, Laura acredita estar apaixonada por ele.

Mas vocês lembram como era o relacionamento de Joy e seu agressor (Nick) em O Quarto de Jack? Joy passou 5 anos em cativeiro, sendo usada como escrava sexual de Nick, que o gerou um filho. Jack tinha que se esconder sempre que Nick viesse, deixando explícito que ele vinha para abusar de sua mãe.

365 DNI e sua finalização

365 DNI se desenvolve através de problemas e mais problemas, e tenta encontrar o romance entre esse casal, suas atuações são tão falhas quanto o roteiro. Seus cortes são agressivos e sem sentido, é difícil dizer como a linha temporal desse filme se encaixa, o que deveria ter sido levado a sério, já que o título é contagem. Mas, é mais inacreditável que foi preciso quatro pessoas para desenvolver um trabalho tão ruim. E como um filme com o grande investimento que tem, conseguiu alugar iates, jatos, mansões mas não conseguiu fazer um roteiro decente pra pelo menos inventar desculpas melhores.

O 365 DNI com toda certeza ganhará uma continuação, é inacreditável a capacidade das pessoas esquecerem qualquer problema quando colocam um homem bonito em sua frente. O filme está – infelizmente – disponível na Netflix, e segue há semanas no top 10 de filmes mais assistidos da plataforma.

E você, o que achou do filme? Deixe pra gente nos comentários.

Marta Fresneda
Líder do site de entretenimento O Quarto Nerd. Apaixonada por cultura pop, com objetivo de influenciar e incentivar mulheres na área de comunicação voltado ao mundo nerd.