Literatura de fantasia e cultura pop: as gerações de bookworms

Por vezes, me percebo tendo um sentimento saudosista relacionado aos livros que li quando mais nova, em especial à literatura de fantasia…

Esse costuma ser um tópico frequente em rodas de amigos, ou mesmo quando estamos conhecendo alguém novo – que tipo de literatura essas pessoas consumiam na infância e na adolescência. Pessoalmente falando, eu já cancelo qualquer um que me diga que não gostava de ler. Em paralelo, eu sinto até um arrepio quando a pessoa cita Percy Jackson sem que antes eu cite – porque, de toda a literatura infantojuvenil que eu li, certamente a obra de Riordan foi a que mais moldou a minha personalidade enquanto escritora e meus interesses, além de ter influenciado (e muito) o meu gosto pela escrita.

É claro que depois que se introduz a questão da leitura, o assunto seguinte passa a ser filmes e séries – e é curioso pensar como essas duas coisas passaram a se relacionar de forma quase que intrínseca nos últimos anos. A dúvida que paira é: quem veio primeiro, o best-seller ou a produção hollywoodiana?

Então, decidi fazer uma investigação profunda (parte dela baseada em vozes da minha cabeça) sobre as gerações de leitores do gênero de ficção, com um escopo focado na fantasia, e as influências que se sucederam no consumo massivo de mídias televisivas e nas legiões de fandoms

Bookworm: entenda o termo

Fotografia do tronco e dos braços de uma pessoa carregando uma pilha de livros, dentro de uma biblioteca.

(Imagem: Freepik / Reprodução)

O termo “bookworm” vem de uma expressão em inglês que significa literalmente “verme de livros” (ou um nome para uma classe de insetos que reside e se alimenta desses objetos). No dialeto popular, uma pessoa bookworm é uma pessoa que “devora” livros. Por essa razão, no final do século passado, chamar alguém de bookworm era tido como algo pejorativo, relacionado ao bullying nas escolas estadunidenses e ao conceito hoje, quase arcaico, de nerd

Nos dias atuais, essa expressão idiomática se globalizou e tomou um significado positivo ao ser dado a pessoas que amam ler e se consideram verdadeiros bibliófilos! O termo se refere em especial àqueles que cultivam pequenas bibliotecas próprias, e que não conseguem entrar numa livraria ou num sebo e não sair com pelo menos um livro novo – porque são verdadeiramente apaixonadas pelas descobertas das páginas.

Todos os estímulos sociais que a leitura ganhou, nos últimos anos, pela internet, ajudaram as crianças de hoje em dia a abraçarem o amor pela leitura. Pelas redes sociais, bookworms de todo o mundo se juntaram em comunidades de leitores que, descobrindo gostos em comum, deram início a uma revolução literária e cultural através dos fóruns e do fomento digital dos fandoms, movimento orgânico que incentivou uma reação e um acompanhamento da indústria do entretenimento. 

E foi aí que surgiu um segundo termo para retratar quem respira a leitura está em alta: é o bookstan. A palavra “stan” é um acrônimo que junta fan + stalker, ou seja, é um fã que não apenas consome os livros, mas acompanha à fundo as notícias relacionadas aos livros, como informações sobre a vida do autor, análises mais profundas sobre as histórias, etc.

Essa trajetória histórica sobre a validação social que a leitura tem será tratada na última parte deste artigo. Mas, desde já, vale dizer que, nos dias atuais, ser fascinado pela ficção e escolher ficar em casa numa sexta à noite para apreciar um bom livro deixou de ser uma vergonha entre os jovens, e sim algo para se orgulhar!

A fantasia dentro do gênero de ficção

Casa encantada em um universo de fantasia.

(Imagem: Freepik / Reprodução)

Ficção é o termo utilizado para designar uma narrativa irreal, ou para definir obras criadas a partir da imaginação. Em contrapartida, a não-ficção é uma história verídica, baseada em cenas da realidade e pautada por fatos.

A leitura dita infantojuvenil e young adult, em quase cem por cento dos casos, trata de narrativas fictícias. Porém, não basta apenas ser uma história inventada para levar os ingredientes ideais para atrair a atenção das grandes desenvolvedoras de filmes e jogos e se tornar um aparato da cultura pop.

Estou falando de um segmento muito pontual de literatura de ficção, moldada em influências de gênios do sci-fi do início do século XX, a exemplo de H.G. Wells e H.P. Lovecraft, e também de grandes clássicos dos mundos da fantasia que vieram anteriormente, como Alice no País das Maravilhas (Lewis Carroll, 1865), ou até mesmo a masterpiece de Mary Shelley – que criou muito mais do que um monstro nos laboratórios do doutor Frankenstein (1818), e na verdade abriu portas para um gênero nunca antes tratado.

Como não há uma terminologia específica para segmentar esse tipo de literatura que se funde à cultura pop, vamos falar aqui especificamente da literatura de fantasia, ainda que algumas ressalvas dela sejam feitas mais adiante, quando estivermos pautando da cronologia propriamente dita desses best-sellers

Em primeiro lugar, é importante entender que a literatura fantástica é avaliada em riqueza de ambientação. Isso influencia em como a narração vai ser aderente ao público e até onde a indústria do entretenimento conseguirá explorar recursos inovadores para capitalizar em cima do seu sucesso.

Há a alta fantasia, onde todo o mundo que permeia a história é inventado, permitindo que animais falem, que elfos e dragões existam, e não há os conceitos geográfico e socioeconômico do planeta Terra – uma grande referência é o próprio Tolkien, dito pai da fantasia moderna.

Já a baixa fantasia trata de acontecimentos que fogem da razão, embora aconteçam no mundo real, como o advento de uma família de vampiros “vegetarianos” se mudar para uma pacata cidadezinha chuvosa no interior do estado de Washington para tentar se misturar entre os humanos e levar uma existência livre do pecado.

Podemos dizer que esse subgênero da ficção está presente no cotidiano das pessoas leitoras e despontam como literaturas de topo de catálogo há muito mais de um século, porém, foi muito recentemente que essas histórias começaram a ter impacto significativo no consumo geral de bens e multimidiático. E isso se deu em conjunto com a revolução digital, e portanto a clusterização de adolescentes e jovens em gigantescas redes de fãs.

A era digital: dos RPGs até as plataformas de fanfic

Print de tela de uma sala no Habbo Hotel onde um jogador montou o salão de jantar temático de Hogwarts, da franquia Harry Potter.

(Imagem: Habbo / Reprodução)

O sonho de se inserir, cada vez mais, nos mundos fictícios da literatura da fantasia, não parou nos RPGs de mesa. Ao passo que as comunidades virtuais se estabeleceram através de fóruns de discussão, chats de bate-papo, blogs, redes sociais, e até plataformas de vídeo, cada uma dessas ferramentas da tecnologia viabilizou a união de fãs de todos os quatro cantos do mundo.

Através desses fandoms, a cultura de role-playing game se flexibilizou para o formato remoto, e o jogo de interpretação se difundiu por fóruns, pelo Orkut, e até mesmo canais com a utilização de avatares customizados.

Lembra do Habbo Hotel?! Pois é – e se eu te disser que além de dança das cadeiras, webnamoro e agência de modelos, esse joguinho tão presente na infância e adolescência dos nascidos por volta dos anos 2000 também abrigava uma grande comunidade de “RPGistas”?

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Ladeado a isso, e talvez ainda maior, otimizaram-se as plataformas de publicação e leitura de fan-fictions, isto é, histórias ficcionais escritas pelos fãs. A maior delas, Wattpad, tem mais de 90 milhões de usuários ativos até hoje, sendo eles um público heterogêneo, que varia dos 13 aos 40 anos de idade. Criado em 2006, o Wattpad atualmente conta com recursos de leituras pagas e originais, embora a grande maioria de seu acervo sejam as fanfics baseadas nos universos de fantasia.

Inclusive, não é incomum que fanfics se tornem vistas o suficiente para serem notadas por grandes agentes editoriais e, até, publicadas! Por exemplo, Cinquenta Tons de Cinza (2011), de E. L. James, é uma ‘fic para maiores de 18 anos originalmente baseada em Crepúsculo!

Influências dos livros de fantasia na cultura pop

Junto com o crescimento de fandoms e a expansão deles na internet, as grandes editoras e também produtora de filmes e séries viram nos best-sellers de fantasia uma oportunidade imensa de capitalizar para além das prateleiras e das telas.

Estou falando do boom do merchandising, da produção massiva de fantasias, roupas para o dia a dia, acessórios e até mesmo objetos de decoração baseado nos universos desses livros. Às vezes, as franquias crescem tanto que se criam até lojas exclusivas para esses universos – é o caso de Harry Potter, que possui diversas lojas oficiais pelo mundo.

As feiras de cultura pop também são uma alavanca importante, tanto como ponto de venda para esse merchandising, quanto para gerar mais visibilidade ao livro ou à produção audiovisual em questão. Não à toa, foi pelo grande sucesso da edição brasileira da Comic Con Experience, em 2014, São Paulo, que diversos outros festivais geek se difundiram pelo resto do Brasil, e esses são alguns dos eventos mais aguardados pelos jovens bookworms – fãs, cosplayers ou apenas apreciadores das séries.

Há, ainda, diversas atrações imersivas baseadas nessas grandes obras contemporâneas, como o mundialmente famoso The Wizarding World of Harry Potter, um dos parques temáticos da cadeia da Universal Studios, em Orlando, Flórida. Mas não para por aí: para quem gosta de se vestir de semideus e jogar pique-bandeira, existem campings de Percy Jackson. Já aos fãs de distopias, a saga Jogos Vorazes inspirou a criação de uma exposição em Las Vegas, além de escape rooms temáticos, entre outras experiências.

Fotografia de motanha-russa do hipogrifo em frente à réplica do castelo de Hogwarts, no parque temático de Harry Potter na Universal Studios, Orlando.

(Imagem: Discover Universal, Universal Studios / Reprodução)

Bom, o fato é que a literatura de fantasia, hoje em dia, extrapola as páginas. A combinação de um best-seller com uma megaprodução de Hollywood já é uma receita inicial para gerar um impacto cultural e econômico que vai muito além da cessão dos direitos autorais. Até mesmo o turismo é influenciado pelas sagas: quando Amanhecer – pt. II (2012) foi gravado em ilhas do Rio de Janeiro, o fandom enlouqueceu com a possibilidade de visitar a mansão onde Edward e Bella tiveram sua lua de mel.

Eu mesma cheguei a conhecer o local da gravação, é mole?

Fachada da casa em Paraty da lua de mel de Edward e Bella em "Amanhecer: parte II".

(Imagem: Casa em Paraty da lua de mel de Amanhecer – pt. II, Pinterest / Reprodução)

Isso tudo sem entrar no tópico dos videogames, é claro. Grande parte dos grandes sucessos da ficção logo são comprados por alguma desenvolvedora e acabam sendo adaptados para PC e consoles diversos. Quer algo maior que os jogos de LEGO em seus mais diversos universos?!

BookTube, Bookgram e BookTok

Para além dos fóruns e das comunidades no Orkut, as redes sociais de compartilhamento de mídia, especialmente mídia audiovisual, também foram ferramentais importantes para as editoras aumentarem a venda de seus potenciais best-sellers. Somando-se a estratégia de divulgação correta com a ativação de influenciadores específicos e a promoção de posts orgânicos feitos por leitores de primeira edição, a matemática do alcance e do engajamento pôde ser facilmente desvendada.

O mercado editorial logo começou a utilizar do movimento já existente dos nichos de conteúdos feitos por bookworms, e para bookworms, nas três principais plataformas de vídeo. Primeiro, o BookTube – dentro do YouTube –, com densos vídeos de reviews, contação de história, vlogs, etc. Depois, o Bookgram veio com tudo no feed e nos Stories, reinventando-se logo em seguida ao passo que o Instagram disponibilizou a ferramenta Reels.

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Mas, atualmente, o BookTok e o consumo de vídeos curtos e criativos vem ganhando cada vez mais espaço. Não só para os autores, as editoras e os autores independentes, mas também porque essa categoria do algoritmo do TikTok acaba sendo um canal importante de entretenimento para muitos jovens leitores, estimulando-os, inclusive, a paixão pela leitura.

Por fim: bookworms através dos tempos (ou desde que eu me entendo por gente)

Caneca ao lado de livro "Harry Potter e o Cálice de Fogo".

(Imagem: Madalyn Cox, Unsplash / Reprodução)

Fiz algumas pesquisas e não achei nenhum artigo ou estudo referenciado tentando estabelecer uma ordem cronológica das gerações de fandoms. Então, tirei, literalmente da minha cabeça, e também da importância desses livros na minha infância e juventude, uma sequência das gerações de bookworms desde um pouco antes dos anos 2000 – afinal, I’m a late 90s kid.

É difícil falar de literatura moderna sem falar das influências na TV (seja pelas adaptações dos livros, seja pelas temáticas efervescentes que estimulam a criação de séries de plots similares). Sendo assim, tomei a liberdade de adicionar algumas obras que fogem da temática da fantasia, mas que ainda assim moldaram essas gerações leitoras justamente pelo impacto que tiveram em outros canais de entretenimento.

ANOS 80-90: A SOCIEDADE DOS NERDOLAS

Colagem unindo diversos universos de fantasia: "Senhor dos Anéis", "Star Wars", "Star Trek", entre outros.

Os anos 80 e 90 foram marcados por uma crescente cultural do consumo do gênero da fantasia, uma vez que os RPGs (role-playing games) de mesa passaram a fazer sucesso entre crianças e adolescentes. Em paralelo, os avanços da tecnologia também permitiram que um mundo aparentemente mágico se fizesse realidade com a alta dos espaços de games arcades. Para você que já viu Strangers Things (Netflix, 2017) isso não é nenhuma novidade, pois a série ambienta muito bem a época em questão!

Todos esses canais de lazer trabalhavam em paralelo com a febre das histórias em quadrinhos da Marvel e da D.C. Comics que se faziam cada vez mais presentes no cotidiano das crianças, e a franquia de ficção científica de George Lucas que estourou as bilheterias no final dos anos 70. Até hoje, Star Wars continua sendo um dos títulos mais aclamados do gênero de ficção, e chegou a inspirar, décadas depois, continuações cinematográficas e outras experiências imersivas. E, com relação à genialidade da Marvel e da D.C., não preciso nem dizer nada, né?! O final do século XX foi só o começo desse pilar da cultura pop que são os super-heróis.

Porém, ainda que esse universo dito “nerd” existisse, ele ainda era muito renegado até mesmo pela própria comunidade, já que era atrelado à vergonha e ao bullying. Então, a leitura dos clássicos das trilogias de Senhor dos Anéis e O Hobbit ficou segmentada em grupos bastante particulares de crianças e adolescentes que cresceram fascinadas pela fantasia de J. R. R. Tolkien, que só foram massivamente introduzidos ao público com o lançamento do primeiro título – A Sociedade do Anel – no início dos anos 2000 nas telas do cinema.

Quem era antenado à leitura também pôde assistir à ascensão do que hoje em dia muito se aplaude pelo sucesso de audiência da série da HBO. Em 1996, George R. R. Martin publicava o volume 1 da épica série “As Crônicas de Gelo e Fogo” – sim, estou falando de Guerra dos Tronos (título original: Game of Thrones), que hoje é uma das coleções topo de catálogo de qualquer livraria.

INÍCIO DOS ANOS 2000: O DAIMON, A FEITICEIRA E O MENINO-QUE-SOBREVIVEU

Colagem unindo diversos universos de fantasia: "Harry Potter", "Desventuras em Série", "A Bússola de Ouro", "Eragon", "As Crônicas de Nárnia", entre outros.

Um fenômeno que mudou, para sempre, o conceito de literatura para a cultura popular, foi a composição da escola dos alunos que trajavam vestes pretas e brandiam varinhas mágicas, publicada inicialmente em 1997. A obra da escritora britânica que não preciso citar porque Você-Sabe-O-Nome foi literalmente tirada do armário sob a escada pela Warner Bros. com o sucesso estrondoso que foi A Pedra Filosofal, revelada aos cinemas no final de 2001.

Com um faturamento absurdo de bilheteria e uma aclamação surreal tanto da crítica, quanto do público, o primeiro título de Harry Potter deixou de ser apenas um best-seller de uma lista do New York Times, e se tornou um marco na vida de várias pessoas. Aquela-Que-Não-Pode-Ser-Nomeada foi premiada e consagrada uma das vozes mais importantes do início do século, e ao redor de todo o mundo os fãs sedentos pediam por mais do órfão que, sem nem saber que era um bruxo, estaria predestinado a derrotar o Lorde das Trevas de uma vez por todas.

A franquia Harry Potter foi a porta de entrada para estimular as distribuidoras de jogos e produtoras audiovisuais a explorarem mais a fundo a literatura fantástica. Não obstante, a LEGO e a EA Games compraram os direitos para produzir jogos de cada um dos filmes para computador e consoles pouco tempo depois. E, alguns anos mais tarde, foi anunciada a construção de um anexo do parque da Universal Studios inteiramente dedicado ao mundo do bruxo mais famoso do mundo.

O universo de C.S. Lewis, publicado inicialmente em 1950, se renovou para o mundo ao que As Crônicas de Nárnia foram adaptadas para as telas em diversos filmes a partir de 2005. O mesmo se deu com Eragon (2006) – volume um do “Ciclo da Herança”, de Christopher Paolini – e A Bússola de Ouro (2007) – primeiro título da “Trilogia Fronteiras do Universo”, de Philip Pullman –, que, apesar de terem obtido sucesso nas prateleiras, não colheram tantos frutos ao serem levados às telas e foram descontinuados. A obra de Pullman, no entanto, teve uma segunda chance ao ser readaptada, dessa vez, em formato de série, pela HBO em 2019 – com o título original, “His Dark Materials”.

Devo, ainda, mencionar As Desventuras Em Série (escrita por Lemony Snicker, heterônimo do autor estadunidense Daniel Handler), coleção infantojuvenil em treze volumes que, apesar de não ser de fantasia, também teve grande impacto nos jovens leitores dessa geração. Essas desventuras acabaram conquistando uma versão para os cinemas compilando as histórias dos três primeiros livros. Embora eu, pessoalmente, não ache a adaptação ruim, ela também foi descontinuada. Só em 2017 é que a Netflix comprou os direitos e a readaptou, em formato de série de três temporadas – o que agradou a tantos fãs saudosistas.

A título de curiosidade, vou relembrar a todos de The OC (Fox) e de Gossip Girl (baseada nos livros de Cecily von Ziegesar, publicados a partir de 2002), duas séries de TV que ficaram anos como as mais queridas dos adolescentes. Também ficções não-fantásticas, é fato que tiveram um papel importante no que diz respeito a conceitos psicossociais que à época ainda eram tabus, como sexualidade e bullying.

Nessa efervescência de leitores que exploravam os contos inspirados em cenários “medievais” – a exemplo do mundo de Nárnia e de Eragon – e que se deliciavam com as invenções de entretenimento imersivo que a indústria criava para a apreciação e o superfaturamento do universo fantástico de Harry Potter, um outro gigante movimento literário caminhava em paralelo. Stephen King, um dos grandes mestres da escrita de terror na atualidade – gênero que muitas vezes flerta com a fantasia – estourou no topo das listas de mais vendidos ao público jovem, tendo, também, vários títulos adaptados ao cinema.

Até hoje, essa geração do começo dos anos 2000 se emociona ao redescobrir os órfãos Baudelaire vivendo uma sucessão de desgraças na Netflix, compra os ingressos para assistir a uma adaptação de King na estréia, e vasculha, ansiosa, a caixa de correio aos dias 31 de agosto, esperando por uma cartinha de Hogwarts que nunca chega. E muitos, já pais e mães, introduzem animados as aventuras de Harry, Hermione e Rony à imaginação de seus filhos, que crescem potterheads mesmo mais de trinta anos depois da chegada do Menino-Que-Sobreviveu ao salão comunal da Grifinória.

2008-2013: A REINVENÇÃO DAS MITOLOGIAS

Colagem unindo diversos universos de fantasia: "Percy Jackson", "Jogos Vorazes", "Crepúsculo", "The Walking Dead", "The Vampire Diaries", entre outros.

Um outro marco literário-cinéfilo se criava ao que o Romeu e Julieta modernos se fizeram conhecidos na pele de Robert Pattinson e Kristen Stewart, em 2008. Stephanie Meyers foi precisa ao recolocar a temática de vampiros em alta com Crepúsculo (2006). Isso alavancou não apenas algumas outras mídias do mesmo assunto, quanto estimulou, e muito, a produção de fanfics. Todo mundo já ouviu falar da fanfic para adultos que se tornou 50 Tons de Cinza, né?

O triângulo amoroso entre Bella, Edward e Jacob talvez tenha ajudado o grande boom de espectadores que foi The Vampire Diaries (inspirada nos livros de L.J. Smith, 1991), cujo plot inicial era o triângulo entre Elena e os dois irmãos Salvatore, Stefan e Damon. É claro que TVD na televisão (2009) foi muito além disso – e inclusive contou com a série de spin-off The Originals (2013), que foi tão bem sucedida que anos mais tarde introduziu um segundo spin-off, Legacies (2018). Nessa mesma onda, veio a telessérie Teen Wolf (2011).

Paralelamente, fazia-se a ascensão do escritor protagonista da minha pré-adolescência: sim, estou falando dele, o maioral – Rick Riordan, que reinventou a mitologia grega com genialidade para dar aulas particulares de história para seu filho Haley, diagnosticado com TDAH e dislexia. O primeiro volume da série de estreia foi publicado em 2005, mas a história só se tornou conhecida no mundo todo uma vez que Percy Jackson e O Ladrão de Raios foi adaptado para os cinemas em 2010.

Por mais que o filme tenha sido reprovado pela crítica e descontinuado após uma segunda tentativa falha que veio três anos depois, a legião de fãs que se multiplicava dia após dia na internet deu conta de propiciar um estímulo criativo e muito bem rentável para Riordan, que não contente em finalizar a primeira coleção de cinco volumes (“Percy Jackson e os Olimpianos”) em 2010, resolveu fazer uma segunda série nesse mesmo ano, desta vez, introduzindo a mitologia romana (“Os Heróis do Olimpo”).

Como o super sucesso antecessor, a história contada pelo filho de Poseidon comoveu crianças e adolescentes pelo mundo todo especialmente por ser uma baixa fantasia, possível de estar acontecendo bem sob nossos olhos. Ou seja, literalmente qualquer professor chato podia ser um monstro ocultado pela Névoa, e vai que um dia o seu vizinho se revelasse um sátiro protetor e te levasse para um acampamento de semideuses?!

Foi por isso que o Tio Rick não parou: também em 2010, ele lançou “As Crônicas dos Kane”, uma série de mitologia egípcia; em 2015, “Magnus Chase e os Deuses de Asgard”, baseada na mitologia nórdica; em 2016, novamente pautando os gregos, “As Provações de Apolo”; e além disso, pelo menos dez spin-offs, inclusive contos que interseccionam essas mitologias – tornando real a teoria do Riordanverso, como muitos fãs gostam de chamar.

Mas não demorou muito para que outra superprodução de Hollywood alavancasse uma outra coleção que pairava no topo das mais vendidas nos Estados Unidos, tornando-a globalmente famosa. Publicada em 2008 por Suzanne Collins, foi logo em 2012 que Jogos Vorazes veio às telas e Katniss Everdeen chocou os doze (treze?) distritos, a Capital e o mundo com o sacrifício de se voluntariar como tributo para salvar sua pequena irmã, Prim. Contando com um roteiro minucioso, a sequência de três filmes foi um sucesso, e por todas as esquinas se viam jovens adolescentes beijando três dedos e erguendo a mão em sinal de boa sorte para uma das heroínas mais destemidas da contemporaneidade.

Também nessa época, outra temática já batida foi reintroduzida ao consumo dos jovens leitores e espectadores: o apocalipse zumbi. A série de TV The Walking Dead foi ao ar pela primeira vez em 2010 – uma adaptação dos comics de Robert Kirkman, que circularam no território estadunidense de 2003 a 2019. Batendo diversos recordes de audiência e conquistando dezenas de prêmios, TWD chegou a onze temporadas!

Para finalizar esse período, não posso deixar de pontuar que o planeta gradativamente acompanhou os dois grandes universos de heróis, Marvel e D.C., se tornarem franquias multimilionárias, com seus filmes sequenciais de histórias épicas e seus atores em alta na cena de Hollywood. E foi aí que o movimento de cosplays e das feiras de cultura pop teve um crescimento exponencial – mas, ufa!, isso é papo pra outro artigo.

2013-2018: A DISTOPIA CONTEMPORÂNEA

Colagem unindo diversos universos de fantasia: "Os Instrumentos Mortais", "Divergente", "The 100", entre outros.

Ler se tornou cool. Com o sucesso avassalador de Crepúsculo e a temática de vampiros e lobisomens sustentada por TVD, diversas outras séries fantasiosas de romance young adult começaram a aparecer, e a temática de star-crossed lovers ficou ainda mais em alta nas plataformas de fanfic

À época, cheguei a ler alguns best-sellers menos conhecidos, como a série “Hush, Hush” de Becca Fitzpatrick (2009), que narrava um romance entre um anjo caído e uma humana com sangue de nefilim, e a coleção “Os Imortais”, escrito por Alyson Noël (2009), que retratava um amor cheio de idas e vindas entre uma mortal que acabou de perder a família em um acidente de carro não tão acidental assim, e um imortal. Pensando agora, era meio ruim, mas minha eu adolescente sofria horrores diante do drama desses casais fictícios.

O que chegou a dar certo nessa temática similar foi a série “Os Instrumentos Mortais” (Cassandra Clare, 2009). A fantasia urbana que contextualiza um mundo de anjos, demônios, bruxos e diversas outras criaturas sobrenaturais foi adaptada aos cinemas em 2013 e flopou, mas, alguns anos depois, os direitos foram comprados por outra desenvolvedora e houve mais uma tentativa de inserção para a TV, dessa vez, em formato de série. Apesar de não ter tido tantas temporadas, Shadowhunters (2016) é uma das séries mais assistidas do Netflix – a top 1 de Portugal até hoje!

Surfando na onda de romances impossíveis, John Green foi descoberto por escrever A Culpa É Das Estrelas (2012), que em 2014 se tornou filme e emocionou milhões de adolescentes e adultos. Isso abriu portas para o mundo conhecer seus outros títulos young adults. Esses livros não entram no gênero fantasia, mas as ficções de “mundo real” carregam reflexões comoventes, e é por isso que foram um fenômeno por alguns anos. 

E já que estamos falando de ficções não-fantásticas que moldaram a mente de jovens, é importantíssimo citar The Pretty Little Liars, série de TV lançada em 2010 e baseada nos livros de Sara Sheppard (publicados a partir de 2006). Se for parar bem pra pensar, PLL, de gênero suspense e mistério, até flerta com a fantasia, e definitivamente andou para que Riverdale (2017) pudesse correr.

Mas, retomando os livros propriamente ditos: Suzanne Collins, que já citamos, foi precisa em todos os aspectos ao criar um enredo dramático para que Katniss fosse lapidada na esfericidade de uma personagem temperamental, mas também secretamente sensível, que era impossível não se torcer por. E foi a sua maestria em compor o universo brutal dos Jogos que o tema de distopias voltou a estar em alta. Vindas de grandes referências de um gênero quase esquecido no século anterior como Fahrenheit 451 (Ray Bradbury, 1953), Admirável Mundo Novo (Aldous Huxley, 1932) e diversos títulos de George Orwell, as ficções que tratavam de um futuro deturpado pela humanidade voltaram à moda.

Divergente (2011), de Veronica Roth, também compôs um enredo futurista assustador para ser desbravado por Tris Prior, e foi aos cinemas pela primeira vez em 2014. Nesse mesmo ano, a série “Maze Runner” (2012, James Dashner) também foi levado às telas sob o título Correr ou Morrer. Em seguida, tivemos O Doador de Memórias (Lois Lowry, 1993), de volume único, que contribuiu com o buzz das distopias. Ao passo que as bilheterias se esgotavam e o público se chocava com a “previsão” terrível da humanidade, os livros vendiam que nem água.

Depois disso, uma sucessão de outras distopias surgiram. Numa época em que a era medieval voltava a fazer sucesso na TV com Game of Thrones, títulos como A Seleção (Kiera Cass, 2012) e A Rainha Vermelha (Victoria Aveyard, 2015) calharam muito bem. Afinal, elas unem um bom e velho romance a uma alta fantasia de monarquias distópicas.

Por fim, vale relembrar o fenômeno que foi The 100 como uma representação bem sucedida dos cenários pós-apocalípticos adaptadas para telessérie. Anteriormente, todos os títulos de distopia que vingaram foram sob formato de filmes. Mas, no caso da produção da emissora The CW baseada na coleção homônima escrita por Kass Morgan (2013), ocorreram diversos picos de audiência, inspirando milhares de fanfics e indo parar nos Trending Topics do Twitter um número imensurável de vezes – principalmente quando a série introduziu a temática LGBT ao revelar a protagonista, Clarke Griffin, bissexual.

2018 EM DIANTE: AJUDEM A TITIA

Livro de fantasia sendo folheado.

(Imagem: Unsplash / Reprodução)

Honestamente, eu sou a vergonha da profissión. À iminência dos 25 anos, não tenho a menor ideia dos livros que estão na moda dos jovens de hoje em dia. Mas eu super gostaria de saber (faz tempo que eu não fico obcecada com um romance adolescente ou uma leitura de fantasia).

E aí, indicações?! O que vocês andam lendo? Deixem aí nos comentários! 🙂

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Iana Maciel
Bacharelanda de Comunicação Social pela ECA/USP. Filha de Zeus, tributo do Distrito 1 e artilheira de Quadribol da Grifinória. Escondo um passado de jogadora de RPG por trás da cara de brava e da prática de esportes, mas quem me conhece sabe que eu adoro marcar de jogar um LoLzinho nas horas vagas.