A lista de filmes que são considerados pelo público como clássicos, enquanto a crítica diz algo diferente, é imensa. Apesar da lista estar geralmente rodada por comédias ou comédias românticas, Garota Infernal faz parte dela. Mas o filme de 2009, da vencedora e estreante do Oscar Brook Busey – mais conhecida como Diablo Cody – foi um fracasso de bilheteria e crítica. Porém, a sátira foi do fracasso à um clássico cult feminista, e nós vamos te explicar o porquê.
(Informações via: Esqueletos no Armário)
Roteiro – Diablo Cody
Em 2008, Diablo Cody fazia o que pra muitos é considerado impossível: concorria ao Oscar com o seu primeiro projeto Juno – que mais tarde veio a vencer a categoria como Melhor Roteiro. Cody foi ‘descoberta’ pelo produtor Mason Novick, que ficou impressionado com seu blog e livro, ressaltando sua escrita sarcástica e a encorajou a se tornar roteirista.
Assim, Hollywood conhecia e se impressionava com Diablo Cody, tant que não foi surpresa quando ela foi indicada ao Oscar. E ganhar o Oscar no começo da carreira fez ela ganhar carta branca para produzir qualquer projeto.
Foi assim que Cody resolveu tirar do papel um projeto pessoal. Seu sonho particular era escrever um filme de terror com forte protagonismo feminino. Foi assim que nasceu Garota Infernal. Um mês após Cody ganhar o Oscar, a 20th Century FOX comprou os direitos de seu roteiro. O que era para ser uma realização pessoal para a roteirista, o segundo passo – que alavancaria sua carreira de vez – acabou dando errado e falhando em todas as formas.
A roteirista já declarou que na época teve que procurar ajuda psicológica para lidar com tudo de errado que aconteceu na pós-produção. Cody relatou que na época via tweets de outros roteiristas e diretores de Hollywood menosprezando seu trabalho.
Produção
Com o roteiro de Garota Infernal – originalmente Jennifer’s Body – completo, a FOX conseguiu grandes nomes para o elenco. Amanda Seyfried de Meninas Malvadas, Johnny Simmons de A Volta do Todo Poderoso, Chris Pratt, J.K. Simmons e, claro, Megan Fox.
A atriz era destaque em Hollywood na época por participar das franquias Transformers e Bad Boys. Cody revelou também que haviam outros nomes, mas que para todos era claro que Megan Fox era a escolha perfeita para Jennifer, pois havia uma áurea misteriosa nela que valia a pena ser explorada.
Após o termino das filmagens, é normal que o estúdio faça sessões testes para ter uma noção da reação do público sobre seus filmes. Então, a FOX separou duas sessões: uma com o público que amou o Juno, outro com os fãs de Fox, onde a maioria eram homens entre 20 e 24 anos. Foi um desastre! O primeiro grupo ficou horrorizado com o filme, e estavam indignados da forma como Cody pulou de um filme fofo ao terror. O segundo grupo apenas respondeu em seus cartões de avaliação que queria Megan pelada.
Ambos os grupos haviam odiado o filme, o que claramente assustaria qualquer estúdio. Cody acabou tendo que escrever uma carta defendendo o filme e dizendo como deveria ser vendido. Quando a escritora questionou o responsável de marketing sobre o que ele pensava do filme, Cody recebeu um “Megan Fox Hot” como resposta. Ali começaria a desesperada corrida para vender esse filme e, dessa forma, o estúdio tinha planos para vender usando principalmente Megan Fox, melhor dizendo, seu corpo e sua aparência.
Megan Fox como simbolo sexual em Hollywood
Não é segredo pra ninguém o quanto Megan Fox foi sexualizada, já que a atriz sempre foi conhecida por sua beleza. E os estúdios abusavam disso: aos 15 anos a atriz estreava em Bad Boys II, e foi colocada em um biquíni e salto 15cm. Dessa forma, a FOX se escorou em seu simbolo sexual, tentando da forma mais errada possível vender Garota Infernal. Eles não estavam vendendo o filme como um terror, mas sim como um pornô.
E foi assim que o time de marketing procurava formas mirabolantes de vender o filme. Uma das propostas era que colocassem Fox para dar entrevistas em sites pornôs. Tanto Cody quanto Karyn Kusama, a diretora, ficaram horrorizadas com a proposta e Kusama chegou a implorar que nem mencionassem a ideia para Megan, pois isso poderia devastar a atriz.
Em uma reunião de 10 anos do lançamento do filme, Megan Fox e Diablo Cody se encontraram em um bate papo do filme. Ambas revelaram seu desapontamento com as críticas, “Era como se eles não tivessem assistido o filme“, disse Fox. A protagonista ainda aproveitou para relembrar que durante as gravações da cena do lago, um paparazzi flagrou momentos da atriz semi nua no set. Megan disse que teve que implorar aos executivos da FOX para pedir à Perez Hilton – que tinha o direito das imagens – para não divulga-las.
2009 foi um ano complicado na carreira da atriz, depois do fracasso do filme, Fox acabou sendo demitida de Transformers 3. A atriz disse que Michael Bay falava pra ela ‘ser sexy’ toda vez que ela pedia um posicionamento em suas cenas. Mais tarde, Megan afirmou que “Michael Bay se comportava como Hitler no set”, o que levou Steven Spielberg a demiti-la mais tarde.
Garota Infernal estava a frente de seu tempo (e se você não consegue enxergar isso, está na hora de rever o filme)
Na mesma conferencia, Megan descreve a cena do sacrifício em Garota Infernal como libertador, onde a atriz era tratada como uma boneca de luxo, feita para ser vista. O sacrifício significava o ponto de virada, a vingança sútil, o momento em que Megan podia viver uma personagem sem filtro.
Na época, a crítica não estava tão imparcial sobre o filme, já que era difícil achar alguém que realmente tivesse gostado do filme. E não para por ai: o filme foi descrito na época como: “Crepúsculo para garotos” por Roger Ebert.
Mas como um filme sobre amizade tóxica e uma garota que mata e come garotos podia ser visto como uma fantasia sexual para meninos? Como o filme sendo dirigido e escrito por duas mulheres poderia no final das contas querer atingir o público masculino como um pornô?
Parte da culpa fica por conta da FOX, que usou a divulgação do filme como tal, ao invés de tentar atingir o público certo. O próprio trailer do filme é focado em cenas sexy’s de Jennifer, enquanto ela desfila pela escola, ou quando as personagens se beijam no quarto de Needy. Ou os pôsteres do filme que abusam de roupas curtas, tirando totalmente o contexto do filme.
E dessa forma, reações como “Garota Infernal não é engraçado, nem sexy (as meninas vestem as roupas), nem assustador (são apenas efeitos especiais)“, de Combustible Celluloid, acabaram acontecendo da forma mais nojenta possível.
Agora, mais de 10 anos depois…
…Garota Infernal aparece na lista da New York Times como um dos melhores filmes de terror dirigidos por mulheres. Ou seja, quase uma década depois as pessoas finalmente começaram a entender que o filme é uma sátira vingativa. Assim, o longa não é só um clássico cult entre o público, mas também um clássico feminista.
Com algumas novas críticas positivas sobre o filme surgindo, Diablo Cody revelou que, em meados de 2014, ela tentou criar uma série sobre o filme, “mas que ninguém queria investir em um filme que fracassou“. Na época, Cody rebatia com a citação de Buffy – A Caça Vampiros, que foi um sucesso de televisão e é baseado no filme de mesmo título que fracassou.
Durante uma conferência, a roteirista revelou que as portas começaram a abrir sobre uma nova adaptação. Quando questionada por Megan sobre a série poder se distanciar do filme a mesma respondeu: “Eu estou tão conectada à esse filme que eu sei o que é melhor para ele. Eu não pisaria na bola“. Cody revelou que Needy é ela como Brook e que Jennifer é seu alter-ego como Diablo Cody, por essa razão, o filme é tão especial para ela.
Em 2018, outras vozes críticas ficaram mais altas e mais proeminentes. Diferente da época, o olhar de homem hétero não é mais o olhar padrão para sites que agregam ao Rotten Tomatoes. E isso significa que as histórias criadas principalmente para as mulheres, que se esforçam para criar um olhar feminino, não são consideradas falhas por padrão. Esses filmes podem ser gravados em seus próprios termos. No mesmo ano (2018) a Vice lançou uma crítica de re-avalição do filme onde eles afirmam que: ” Garota Infernal mataria se fosse lançado hoje “. O escritor afirmou que o filme é uma fantasia de vingança de estupro disfarçada, um olhar extremamente agudo e inteligente de “abuso, empoderamento e responsabilidade“.
Agora, é entendido que Garota Infernal é mais do que foi mostrado á primeira vista. O mundo não estava pronto para ele em 2009. Jennifer é mais do que um jovem sexualizada, e essa sátira vingativa é prova viva disso.