Crítica: “The Umbrella Academy” é a série que a gente precisava

Atenção! A crítica de “The Umbrella Academy” a seguir possui spoilers da série.

Dentre das mais diversas séries originais da Netflix, tem-se “ The Umbrella Academy”. Baseada na história em quadrinhos (foca nessa informação que é bastante importante) de Gerard Way (integrante da banda My Chemical Romance) e Gabriel Bá, a série gira em torno da vida de sete crianças adotadas por um cientista milionário e criadas para serem uma espécie de “Liga da Justiça” versão mirim. 

Desde sua estreia, “The Umbrella Academy” vem somando fãs ao redor do mundo, se tornando uma das séries mais assistidas na plataforma. Então, a Netflix decidiu mantê-la, por hora, para a segunda temporada, a qual já está disponível desde ontem, 31, no catálogo.

Mas, antes que pudéssemos seguir com a nossa crítica dos novos episódios, precisamos recapitular os principais tópicos da primeira temporada, assim como o próprio canal da plataforma no Youtube, para que possamos entender o contexto e as lacunas da série ao longo da nova temporada.

Vídeo: Netflix via Youtube

Resumidamente, as informações importantes que temos para seguir com a segunda temporada é: 43 crianças nasceram DO NADA no dia 1º de outubro de 1989; 7 dessas 43 crianças foram adotadas por Reginald Hargreeves (Colm Feore); o excêntrico bilionário funda a “Umbrella Academy”; as crianças são nomeadas em ordem numérica e cada uma possui uma habilidade especial; número Cinco consegue viajar no tempo e já trabalhou com a Comissão – uma espécie de organização que é responsável por cuidar do espaço-tempo e fazer com que nada seja alterado na linha temporal -; o número Seis (Ben) está morto e Klaus (o número Quatro) consegue convocar os poderes dele através de sua habilidade com os mortos; Vanya, a nossa número Sete, possui um poder paranormal capaz de causar o apocalipse; e, por fim, todos sobrevivem ao apocalipse após acompanhar o Cinco em uma viagem no tempo.

E, então, temos a 2º temporada que, para quem acompanha a série, com certeza, superou as expectativas. Carregada de plot twists (reviravoltas), a continuação, ao passo que nos trouxe algumas respostas para algumas das lacunas deixadas na 1º temporada, nos trouxe, também, diversos pontos de interrogação pairando sob as nossas cabeças.

Construção do enredo

De primeiro momento, o narrador nos leva de volta ao contexto final do último episódio da temporada anterior, nos mostrando o que aconteceu com os irmãos Hargreeves após a viagem no tempo e trazendo a mesma ideia de um mundo pós apocalíptico, mas, dessa vez, ao que parece, sem ligação alguma com Vanya. Ao que entendemos, cada um dos irmãos foram teletransportados para a cidade de Dallas – através do mesmo beco -, mas, para cada momento diferente da década de 60: Klaus e o fantasma de Ben chegam na cidade no dia 11 de fevereiro de 1960; um ano depois, Allison (número Dois) aparece; em 1962 é a vez de Luther (número Um); Diego (número Três) chega em 1º de setembro de 1963; por sua vez, Vanya aterrissa em 12 de outubro do mesmo ano; e, por último, Cinco chega em Dallas no dia 25 de novembro de 1963, três dias após a morte do Presidente Kennedy.

O rapaz se depara com uma terceira guerra mundial causada pela rincha entre a União Soviética e os Estados Unidos (mas que surpresa, não é mesmo?). Enquanto uma batalha acontece, Cinco reencontra os outros irmãos – até mesmo Vanya – lutando lado a lado, enfrentando o inimigo americano e completamente capazes de controlar os próprios poderes, até que, antes que pudesse ajudá-los, Hazel (Cameron Britton) – ex-integrante da Comissão – aparece e o transporta para 10 dias antes do fim do mundo que ali aconteceria. E aí o drama todo está feito.

Diferente da ideia de que, mais uma vez, assistiríamos a uma luta contra o tempo dos irmãos Hargreeves, a nova temporada foi construída com um roteiro muito bem estruturado, nos levando a ter determinadas conclusões equivocadas e sem nos fazer esquecer que, apesar de todos os tabus abordados, ainda se trata de uma história em quadrinhos.

Não é só mais uma história em quadrinhos!

Não é de hoje que a Netflix consegue nos fazer questionar assuntos como racismo, homofobia, empoderamento feminino, entre outros, de maneira eficaz. O catálogo da plataforma é recheado de produções que procuram conscientizar o espectador dos problemas atuais, mesmo que, em contrapartida, também possua filmes e séries que vão contra essas lutas (cof cof, 365 DNI, cof cof). E com “The Umbrella Academy” não seria diferente.

Como dito anteriormente, a série consegue facilmente decorrer entre a seriedade dos problemas que os cercam, nos lembrando sempre que se trata de uma obra fictícia, ainda que nos remeta a fatos históricos – como a morte de Kennedy que é abordada como foco da guerra nuclear – e a problemas recém discutidos. Se você entende um pouco de história, sabe que o racismo é algo que está implantando na sociedade desde sempre, e se você acha ruim a forma com que isso está explícito em pleno século XXI, você deve saber que há algumas décadas, isso era ainda mais escancarado.

No terceiro episódio – um dos melhores da temporada -, vemos o desenvolvimento do trabalho de Allison – que se une ao movimento ativista norte-americano na reivindicação dos direitos civis para os negros – durante sua estadia na cidade. Como saberemos mais tarde, ao chegar em Dallas, a jovem número Dois entra em uma lanchonete qualquer atrás de informação, mas, se depara com a placa “Somente brancos”, sendo expulsa do lugar. Fazendo jus ao preconceito da época (lembrem-se que estamos falando de uma década em que os negros não podiam ficar no mesmo ambiente que brancos), com o protesto organizado pela jovem, o dono da lanchonete – que sabe que é protegido pela lei a qualquer custo – derrama um café quente de propósito em Allison, fazendo com que a jovem se assuste e, então, os policiais iniciassem uma série de agressões aos pretos ali presentes, mesmo que estes não tenham feito nada.

A cena, ainda que rápida, transmite uma emoção tremenda no espectador, nos fazendo questionar a razão para tanto ódio. Sempre nos perguntamos como o Hitler, por exemplo, foi capaz de matar tantas pessoas apenas por suas escolhas sexuais, crenças e cor de pele, mas, nunca nos movemos para mudar o preconceito que nos rodeia, justificando tais atos ao culpar a sociedade anterior. A verdade é que, apenas nos preocupamos com o problema do outro quando ele nos atinge.

O desenvolvimento além do personagem

Ao sabermos que a nova temporada se passaria na década de 60, não sabíamos o que esperar, o que, consequentemente, reduz nossas expectativas em relação a série. Porém, a verdade é que este se torna o cenário perfeito para o desenvolvimento dos personagens.

  • Número Um, Luther
Foto: “The Umbrella Academy” – Season 2 – Netflix

Desde a primeira temporada, notamos como Luther (interpretado por Tom Hoper) é, de longe, o irmão mais inteligente. Por ficar preso ao pai e sempre estar em busca da aprovação do mesmo, o número Um nunca conseguiu descobrir sua verdadeira identidade, fato que muda nessa nova temporada. Ao longo dos episódios, somos apresentados a um novo Luther, o qual permite mostrar muito mais do que apenas sua timidez e sua paixão nada secreta por Allison. O personagem se destaca pelo seu coração mole e, apesar de ter sido visto como o vilão da temporada anterior, se destaca, também, ao mostrar que, independente do seu tamanho e sua força extraordinária, ainda se importa com os seus irmãos e faria de tudo para protegê-los.

  • Número Dois, Allison
Foto: “The Umbrella Academy” – Season 2 – Netflix

Após ter sido atacada por Vanya e ficar um bom tempo sem poder falar, Allison foi a primeira a perdoá-la, nos mostrando que o rancor não nos leva a lugar algum. Além disso, a personagem possui um papel fundamental como ativista, visto que, os negros sempre tentaram se moldar ao comportamento dos brancos (como alisar o cabelo, por exemplo) apenas para se sentirem como parte da sociedade. Com toda a certeza, a atriz Emmy Raver-Lampman consegue conduzir a personagem da melhor forma possível e não teria atriz melhor para interpretá-la.

  • Número Três, Diego
Foto: “The Umbrella Academy” – Season 2 – Netflix

Na temporada anterior, Diego (David Castañeda) se mostra um bad boy de primeira. Mas, a sua marra acaba quando percebemos que, por debaixo de toda essa pose, há alguém pronto para salvar o mundo. Sendo comparado durante toda a história, ao Batman, Diego nos mostra ser um rapaz desengonçado cuja a única habilidade se desenvolve ainda mais quando se propõe a salvar Cinco e consegue desviar tiros com as mãos. No final, entendemos que a única semelhança entre ele e o morcegão é a forma com que tentam chamar a atenção para si.

  • Número Quatro, Klaus
Foto: “The Umbrella Academy” – Season 2 – Netflix

Klaus é de longe o personagem mais cômico de todo o elenco. Interpretado por Robert Sheehan, o número Quatro é aquela pessoa que se importa demais com tudo e sempre procura uma escapatória nas drogas e no álcool. Mas, após ficar 3 anos sóbrio e percorrer o mundo com o seu culto, o jovem descobre que seus poderes vão além de falar com os mortos e consegue ser “possuído” por Ben ao decorrer da história.

  • Número Seis, Ben

Está bem. Eu sei que pulei um número, mas, juro que vocês já vão entender o motivo.

Foto: “The Umbrella Academy” – Season 2 – Netflix

Antes, vamos falar de como Justin H. Min é a pessoa perfeita para interpretar Ben. De primeiro momento, entendemos que o personagem, que foi morto há 17 anos, está preso de alguma forma na Terra por causa de Klaus. Contudo, com uma atuação brilhante e emocionante, ao decorrer dos episódios, entendemos que o Ben, na verdade, esteve todo este tempo esperando o momento certo para ir ao encontro da “luz”, ainda que isso só sirva de base para uma terceira temporada com a volta do personagem como nunca vimos.

  • Número Sete, Vanya
Foto: “The Umbrella Academy” – Season 2 – Netflix

E aqui temos a personagem de Ellen Page. Conhecida por atuar em X-Men, sabemos o quanto a atriz não consegue se adaptar ao roteiro proposto. Ainda que se passe na década de 60, Vanya continua usando roupas que nos remetem ao ano de 2019, o que me faz questionar se o figurino foi escolhido pela produção ou pela própria atriz.

Mas, como também ressaltamos pontos positivos, devo dizer que o papel de Vanya é extremamente importante para o desenrolar da história. Além de fazer par romântico com Sissy (Marin Ireland) em uma época em que a homossexualidade era vista como doença, nesta nova etapa, a número Sete aprende a controlar os seus poderes e consegue reverter o caos causado na temporada anterior.

  • Número Cinco
Foto: “The Umbrella Academy” – Season 2 – Netflix

Por fim, fechando com chave de ouro, precisamos ressaltar o trabalho incrível de Aidan Gallagher. O ator de apenas 16 anos tem todos os holofotes da série apontados para o seu personagem.

Ao assistir a primeira temporada, você consegue perceber a naturalidade que o ator consegue decorrer entre um menino de 13 anos e um idoso de 78 anos. Quando retorna para 2019 após ficar 48 anos fora da vida de seus irmãos, Cinco erra a equação e acaba preso no corpo que tinha quando criança. O que parece ser uma barreira para qualquer ator novo, Aidan faz um trabalho incrível e nos entrega uma atuação digna de premiação. Durante toda a trama, é imperceptível a sua falta de experiência tamanha graciosidade com que conduz o personagem.

De maneira geral, ainda que fiquemos com o pé atrás com Ellen Page no elenco, todos os atores conseguem realizar uma atuação excelente e traz uma química esplêndida entre os irmãos, mesmo que estes oscilem entre o amor e a competição natural presente na família.

Triha Sonora

Qualquer produção que se preze, sabe que, mesmo com um roteiro brilhante, é necessário que tenha uma trilha sonora eficaz para fazer sucesso. E é óbvio que a Netflix não iria decepcionar com “The Umbrella Academy”. Na primeira temporada já fomos surpreendidos por uma trilha sonora que ia de Noel Gallagher até Radiohead, e nessa nova temporada não é diferente.

De Aretha Franklin a KISS, os novos episódios são carregados de canções e efeitos sonoros perfeitamente sincronizados com os acontecimentos que preenchem a história. Acredite se quiser, até Backstreet Boys faz parte da lista imensa de músicas da nova temporada. Mas, calma que fizemos uma playlist para você salvar as suas preferidas da nova temporada.

Playslist via Spotify – O Quarto Nerd
Conclusão

Talvez um dos maiores erros da indústria literária foi ter mantido os olhos focados em quadrinhos da DC e da Marvel, quando existe um universo repleto de histórias com enormes potenciais. E “The Umbrella Academy” é uma delas. Com um humor certeiro e uma história pra lá de interessante, a série não possui nenhuma dificuldade ao introduzir os novos personagens – como Lila (interpretada por Ritu Arya) e Raymond (interpretado por Yusuf Gatewood) – e desenvolver os antigos.

Steve Blackman (criador e showrunner da série para a Netflix), com certeza, soube como adaptar a HQ de Gerard e Gabriel sem tirar o clima indie que ronda a história e sem decepcionar os fãs. Claro que a química do elenco escolhido – em especial de Sheehan e Min – torna tudo mais fácil de lidar.

De maneira geral, “The Umbrella Academy” é o tipo de série que a gente maratona sem perceber, uma vez que a história leve e o elenco carismático consegue prender nossos olhos na tela durante todos os 10 episódios.

Título: The Umbrella Academy
Temporadas: 2
Elenco: Aidan Gallagher, David Castañeda, Ellen Page, Emmy Raver-Lampman, Justin H. Min, Robert Sheehan, Tom Horper, Ritu Arya, Yusuf Gatewood, Marin Ireland, Adam Godley, Kate Walsh, Colm Feore, Cameron Britton e Mary J. Blige.

Nota: 5/5

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Raphaela Lima
Completamente apaixonada por música e pelo Spider-Man, usa seu conhecimento sobre a comunicação e a cultura pop e seu vício em filmes e memes para complementar a equipe das nerds da cadeira.