Que a Netflix é bem diversa em seu catálogo, todos sabemos. A maior plataforma de streaming está sempre a procura de produções não-estadunidenses para complementar o seu leque de conteúdo. Entretanto, ainda que seja uma boa qualidade do streaming, às vezes a mesma acaba por pecar no excesso e produz conteúdos não tão bons, como é o caso de “Mãe só tem duas” (Madre sólo hay dos, 2021).
A série da companhia estreou ontem, 20, e veio para contrapor a alta qualidade de séries mexicanas originais presentes em seu catálogo – como “Desejo Sombrio” (Oscuro Deseo, 2020) e “Control Z” (2020) -. Dirigido por Kenya Marquez, Sebastian Sarinana, Carlos González Sariñana e Fernando Sariñana, a produção não se faz eficaz ao roteiro proposto e se decepciona.
Roteiro e enredo
A história parece simples (e às vezes óbvia demais): após darem à luz a duas meninas em um hospital de bairro, Mariana (Paulina Goto) e Ana (Ludwika Paleta) acabam se desentendendo por serem totalmente opostas – enquanto uma é rica e com uma carreira bem sucedida, a outra é obrigada a largar a faculdade por não ter emprego e por estar grávida -. Meses depois, ambas se reencontram depois de receber uma ligação do hospital avisando que as bebês haviam sido trocadas e precisariam fazer a destroca.
E aí o óbvio acontece: por se apegarem demais nas bebês que acreditavam ser suas filhas, Mariana e Ana se veem tendo que conviver juntas para tornar a dor da separação menos difícil. Porém, após semanas de convivência, ambas acabam se tornando amigas e procuram sempre apoiar uma a outra quando se trata da criação das meninas.
O roteiro em si é bastante rico e poderia dar um ótimo conteúdo se tivessem trabalhado mais tempo nele. Enquanto, por um lado, o enredo acaba com clichês e dramas desnecessários fazendo com que tudo seja conversado de maneira coerente e adulta, por outro, traz diversas pontas soltas na história e introduz acontecimentos de uma hora para a outra, confundindo o espectador durante todos os nove episódios.
Misoginia e empoderamento feminino
Entretanto, apesar da construção do enredo parecer extremamente fraca, “Mãe só tem duas” ainda aborda pontos importantes e extremamente construtivos em sua narrativa, como por exemplo, a luta das mulheres pela igualdade.
Já nos primeiros minutos da produção, o espectador se depara com uma briga entre Mariana e seu professor de matemática que não aceita o fato de ela estar em um protesto contra a discriminação de gênero como justificativa por faltar em sua aula. E assim percorre todos os outros episódios, que trazem uma lista de falas preconceituosas sobre as mulheres enquanto estas se impõem.
Um exemplo disso é como Ana, que possui um cargo de responsabilidade na companhia em que trabalha, é tratada em 99% das reuniões com clientes, diretores e colegas de trabalho, o que acaba refletindo em sua vida pessoal e seus momentos com a família.
No início da série, Ana demonstra ser uma grande responsável pelo trabalho, não o largando nem no dia do nascimento de sua filha. Porém, mais tarde, o espectador acaba entendendo que se trata de um medo de ser substituída na companhia, já que, assim que retorna para o trabalho após a sua licença maternidade, Ana precisa lutar para se manter em seu cargo que está quase sendo preenchido por outro rapaz apenas por ter que cuidar de suas filhas.
Mais alguns episódios e Ana ainda precisa provar para os seus colegas de trabalho – mais especificamente, seu diretor e o presidente da companhia – que consegue manter a casa em “ordem” e cuidar do seu serviço.
Em um dos jantares da empresa – a qual não foi convidada porque “deveria cuidar da própria filha” -, Ana se vê diante de um debate com os próprios diretores que insistem que nenhuma mulher deveria assumir cargos altos, uma vez que “Contratá-las seria um risco econômico. Se ficam grávidas, temos que pagar licença maternidade e substitutas.”, ou pior “Vocês são mulheres, mas são inteligentes. Isso é difícil de achar.”
Inacreditável, não?!
Comédia Romântica?
Outro ponto bastante relevante ao analisar a série é sobre os diversos casais – ou não – que se encontram ao longo dos episódios. Como dito anteriormente, muitas vezes o roteiro não introduz as histórias de forma correta e deixa o espectador bastante confuso. Um exemplo disso é o namoro de Mariana com Elena (Oka Giner), o qual, além de não possuir química alguma, não é bem introduzido na primeira cena das duas, o que faz com que o telespectador enxergue apenas como uma amizade.
Em seguida, tem-se o romance nada romântico de Ana com seu marido, em que ambos sempre se dizem apaixonados um pelo outro mesmo que exista traições. Depois, Pablo (Javier Ponce) – o ex-namorado de Mariana e pai de sua filha – aparece como protagonista de uma paixão platônica de uma menina de 17 anos.
Mas, é claro que no meio de tanto romance mal resolvido, deveria existir um drama familiar no melhor estilo de novela mexicana, certo? Talvez não precisasse, mas os roteiristas acharam que seria de extrema importância firmar uma paixão platônica entre as protagonistas, o que, mais uma vez, não obteve tanto sucesso, já que a química era inexistente entre ambas.
Uma série-novela não tão eficaz
Em suma, pode-se afirmar que “Mãe só tem duas” tinha tudo para ser uma ótima série de comédia e viciante, mas que, por conta do enredo mal estruturado, acaba decepcionando e caindo no limbo de séries que, talvez, não serão renovadas e, por isso, não deveriam ter entrado no catálogo.
Em contrapartida, mesmo com o roteiro fraco e um elenco que deixa a desejar 90% do tempo, a série ainda consegue trazer alguns momentos divertidos e agrada por sua maturidade diante de situações que, em outras produções, seriam facilmente manipuladas para tornarem-se uma tempestade no copo d’água.
Título: Mãe só tem duas
Temporadas: 1
Direção: Kenya Marquez, Sebastian Sarinana, Carlos González Sariñana, Fernando Sariñana
Elenco: Ludwika Paleta, Paulina Goto, Martín Altomaro, Liz Gallardo, Javier Ponce, Oka Giner, Zaide Silvia Gutiérrez
Nota: 2,5/5
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