Crítica | Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes é a adaptação certa que a franquia é conhecida por entregar

Em uma sociedade onde exige que todos tenham um lado muito claro, opiniões muito fortes e que tracem uma linha exata entre o bem e o mal, ver a história de origem de um dos personagens mais repugnantes e maléficos das distopias infanto juvenis traz uma sensação de amargor e relutância em acreditar que tal personagem sequer teria alguma forma de redenção – e não tem mesmo. Mas como sempre, Suzanne Collins não escreve suas histórias para agradar, mas sim questionar, desafiar e provocar um pensamento crítico em seus leitores, algo que a adaptação Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes captura quase que religiosamente.

No longa, acompanhamos Coriolanus Snow (Tom Blyth) como parte do grupo de jovens estudantes da Capital que serão os primeiros mentores dos Jogos Vorazes, agora em sua 10ª edição. Agraciado com Lucy Gray (Rachel Zegler), uma tributo do Distrito 12 (começando desde cedo os presságios à trilogia original), Snow tem a desafiadora tarefa de transformar os jogos em um conteúdo que as pessoas gostariam de assistir.

Para além da origem do Snow, A Cantiga não vêm para ser apenas mais uma produção de uma franquia bem sucedida para lucrar – ela mostra a origem do que são os Jogos Vorazes como conhecemos na época de Katniss. Veja bem, esta história se passa em uma Panem que sofreu de uma guerra civil recente e mais de 60 anos antes de Everdeen se voluntariar como tributo – as coisas são bem diferentes.

Foto: Divulgação
Confira também:

A maquiagem colocada nos Jogos Vorazes de Katniss cheios de luxo, tecnologia e arenas mirabolantes não existe aqui. Na 10ª edição, os jogos são tão sanguinários, violentos e frios quanto os que já conhecemos, exceto que aqui não existe nenhum mecanismo para entreter a audiência. Não existem teatro de pombinhos apaixonados ou enigmas para desvendar a arena. É puro sangue e crueldade, crianças matando crianças. A origem dos Jogos Vorazes retratada no longa é tão deplorável e absurda, pautada na crença de uma cientista sadista que o ser humano é cruel por natureza, que consegue trazer, através de metáforas, a história humana, e como utilizamos de artifícios para manipular e condenar massas. É nesse e em tantos outros momentos durante o longa que Suzanne Collins mostra sua incrível habilidade de construir mundos, e Michael Lesslie e Michael Arndt, de trazê-los para um roteiro muito fiel à obra original.

Enquanto Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes mostra a manipulação feita em diversas instâncias e graus em sua história, ele também coloca em cheque a confiança: sua e dos personagens. Executando a difícil tarefa de dar vida a um personagem cujo pensamentos são descritos por todo o livro de Collins, Tom Blyth abre caminho para a dualidade de Snow, que constantemente justifica atrocidade após atrocidade. Sua habilidade de manipulação que a principio não é clara mas logo mostra sua verdadeira faceta, é constantemente acobertada por atitudes socialmente corretas e encorajadas, mas que estão fundadas em ambição e autocentrismo. Snow adquire a confiança de sua família, amigos e de sua própria tributo para transformá-los em arma para desfruto próprio, se reafirmando constantemente como o cidadão perfeito da Capital fascista e ditatorial – mesmo que ele mesmo não tenha plena consciência disso.

Fadado a ser o vilão da história de Katniss e já odiado por todos desde antes do filme começar, Snow mostra suas nuances e motivações, mesmo que não sejam justificáveis para torcer por ele. Essa torcida, por sua vez, é talvez oferecida à Lucy Gray, interpretada por Zegler, que tem a injusta tarefa de equiparar ou superar Jennifer Lawrence. Injusta porque Zegler não ganha o tempo de tela e falas necessários para ter o destaque de sua antecessora. Mesmo assim, a atriz encontra seus momentos de protagonismo justamente no que é conhecida por: cantar. O maior traço de Lucy é o que fortalece Zegler, que mostra seu carisma e coração em cada música que ganha melodia e traz à vida as palavras criadas por Collins.

Confira também:
Foto: Divulgação

Estes dois juntos (Snow e Lucy), no entanto, formam um casal fadado a perecer – afinal, o Presidente Snow que conhecemos não é casado com nenhuma “pessoa de distrito”. Esta certeza e os acontecimentos da trama forçam a audiência a, se não for torcer para nenhum, que pelo menos tenha curiosidade nesta relação interpessoal e até aonde ela irá chegar. Isso dá vantagem para Francis Lawrence, que volta para a direção do seu 4º filme deste universo, usar e abusar de enquadramentos fechados nos personagens valorizando e destacando suas ações e reações. Lawrence oferece espaço de sobra para que os atores façam seus trabalhos ao mesmo tempo que os intensifica. Isso, é claro, dá de bandeja à atores veteranos sua oportunidade de brilhar onde no livro não havia, como aconteceu com a Dra. Gaul (Viola Davis) e Casca Highbottom (Peter Dinklage).

Quando um universo é rico em detalhes e ainda existem história nele para contar, obras originais e suas adaptações são sempre bem-vindas – como é o caso de Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes. Em um época onde extensões de universos e crescimento de franquias estão sendo mal vistos e desenvolvidos, A Cantiga chega com a lembrança de tempos de qualidade e não quantidade, onde ter uma história boa e um motivo para contá-la eram os requisitos mínimos. Portanto, nos resta apreciar uma boa adaptação quando encontramos – e ainda bem que foi a vez dessa.

Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes estreia nos cinemas nacionais dia 15 de novembro.

Crítica

Título: Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes

Direção: Francis Lawrence

Roteiro: Michael Lesslie; Michael Arndt

Elenco: Tom Blyth, Rachel Zegler, Josh Andrés Rivera, Hunter Schafer, Jason Schwartzman, Peter Dinklage, Viola Davis

Nota: 4/5

Aliás, quais são as suas expectativas para o filme? Deixe nos comentários. Assim, não esqueça de nos seguir nas redes sociais.

Encontrou algum erro na matéria? Avise-nos.

Gabrielle Yumi
Jornalista e sócia do Quarto Nerd, sou apaixonada por cultura pop e whovian all the way. Busco ativamente influenciar e ampliar a voz de mulheres no meio geek/nerd. Cabelo colorido e muito pop é quem eu sou dentro do meu quarto nerd.