Crítica | “Hollywood” banaliza o racismo da época e prefere fantasiar

Em meio a uma pandemia e a necessidade do isolamento social, os serviços de streaming e seus lançamentos estão sendo observados mais de perto, e com Hollywood não foi diferente. O que a minissérie prometeu em seu trailer e na reputação de Ryan Murphy – que tem como bagagem produções impecáveis como American Crime Story -, ela tenta entregar arrastadamente durante seus sete episódios, entre muitas problemáticas, e consegue aflorar um pouco dos sentimentos do público somente na última metade do episódio final.

Em Hollywood, David Corenswet vive o ator Jack Castello, que trabalha em um posto de gasolina – fachada para um ponto de prostituição. Jack logo recruta Archie Coleman (Jeremy Pope), homem negro e gay que aspira a ser escritor, para trabalhar no posto também.

Em paralelo, o diretor Raymond Ansley (Darren Criss) está tentando fazer com que seu filme seja produzido com uma atriz principal de descendência americana-chinesa, Anna May Wong (Michelle Krusiec), porém, ele precisa de um longa de sucesso antes. E é aí que começa a produção do longa fictício “Meg” e a história parece evoluir.

Foto: Netflix

Hollywood: a terra dos sonhos

A fotografia de Hollywood é muito boa, com cenas lindas visualmente, trabalhando luz e sombra de forma que a audiência sinta a grandeza de tudo que está acontecendo ali e do que a indústria cinematográfica significava na época.

E o elenco tem seus devidos créditos também, com Jeremy Pope, Laura Harrier e Patti LuPone roubando a maioria dos holofotes. Seus personagens são crus e honestos, com sua parcela de caricatura. Eles sabem quem são e porque estão ali, e o roteiro traça muio bem sua evolução.

Hollywood mostra exatamente o que todo mundo pensava quando ia para Los Angeles realizar seus sonhos. Essa terra mágica para o resto do mundo, na verdade é só uma fachada, e o que é preciso fazer para ter uma carreira de sucesso na indústria é de se espantar.

Porém, ela não aproveita todo seu potencial. O cenário perfeito para explorar a inocência que os personagens perdem ao entrar em um mundo onde sexo é moeda de troca (e uma ótima deixa para contar essa história através do movimento #MeToo) é completamente mal aproveitado ao ponto de tudo virar uma grande fantasia.

HOLLYWOOD

Amenizar fatos históricos não traz o mesmo efeito

Murphy nos apresenta o que seria de Hollywood se o “progresso” tivesse chegado um pouco mais cedo, mas não se preocupa em colocar o contexto certo, na sua mais cruel e absurda veracidade. Porque o que Hollywood faz parecer é que se as pessoas tivessem se esforçado um pouco mais, se elas tivessem sido mais destemidas, poderiam ter existido filmes com pessoas racializadas muito mais cedo – e o mundo seria muito melhor hoje em dia.

O que é pura fantasia. É frustante ver a facilidade com que os personagens negros falam da Ku Klux Klan, do preconceito e do que é ser racializado em uma América dos anos 40. Murphy não mostra nada além de pessoas brancas com cartazes racistas na porta do estúdio fazendo protestos – e todos sabemos que o racismo já chegou muito mais longe que isso.

O racismo velado incomoda porque não consegue trazer a tona os sentimentos que a série precisa para fazer sentido. E, nos últimos minutos do segundo tempo, o roteiro muda drasticamente e podemos ver a América na sua mais pura frieza e crueldade. E uma das cenas mais esperadas do trailer, quando Queen Latifah (interpretando Hattie McDaniel, primeira atriz afro-descendente a receber um Oscar de melhor atriz coadjuvante) diz para Camille Washington (Laura Harrier) “não importa se você perde ou ganha [o Oscar]. O que importa é estar na sala”, parece que a série finalmente entende a seriedade e intensidade que é ser negro nos anos 40.

Foto: Netflix

Nos 45 do segundo tempo

E tudo que a série ignorou, amenizou ou fantasiou foi magicamente mudado em seu último episódio. Intitulado “Um final de Hollywood“, o episódio mostra a tensão pré e durante a cerimônia do Oscar. Com diversas indicações, o longa fictício “Meg”, da qual todos os personagens trabalharam para fazer acontecer, termina a noite com quase todas as vitórias – e um prato cheio de momentos marcantes.

Não é justo estraga-los, mas é importante dizer que tudo que Murphy havia errado até então, magicamente foi consertado no último momento. Se isso faz Hollywood valer a pena ou não, eu já não sei te dizer.

Hollywood
Criadores: Ryan Murphy e Ian Brennan

Elenco: David Corenswet, Darren Criss, Laura Harrier, Joe Mantello, Dylan McDermott, Jake Picking, Jeremy Pope, Holland Taylor, Samara Weaving, Jim Parsons, e Patti LuPone.

Nota: 3/5

Gabrielle Yumi
Jornalista e sócia do Quarto Nerd, sou apaixonada por cultura pop e whovian all the way. Busco ativamente influenciar e ampliar a voz de mulheres no meio geek/nerd. Cabelo colorido e muito pop é quem eu sou dentro do meu quarto nerd.