Crítica: Coringa | E no final, quem riu por último foi Joaquin Phoenix

Risada. É assim que começa Coringa, com Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) rindo durante uma de suas sessões semanais de terapia. Mas é choro ou riso? De fato, uma das perguntas que passa na cabeça da audiência durante todo o filme é também o verdadeiro ápice de todo o combo que é o Coringa de Joaquin Phoenix.

Joaquin assumiu o papel do icônico vilão que, pela primeira vez, teve os holofotes todos virados para ele. Nada de 50/50 como Jack Nicholson fez, ou como Jared Leto em Esquadrão Suicida, ou até mesmo como Heath Leadger, que ganhou o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante. Agora era a vez do palhaço sangue-frio mais perigoso e amado por seus fãs ter seu filme solo.

Diga olá para Arthur Fleck, um homem com distúrbios mentais que trabalha como palhaço freelance durante o dia e tenta começar no stand up durante a noite – e é claro que o roteiro faz questão de Arthur fracassar em ambos. Ele e sua mãe (Frances Conroy) criam laços a partir de um programa de talkshow apresentado por Murray Franklin (interpretado por Robert De Niro), verdadeira inspiração para Fleck. Além disso, Arthur ainda encontra um interesse amoroso em Sophie (Zazie Beetz), mãe solo que mora no mesmo prédio.

O longa retrata uma Gotham dos anos 1980 que passa bem longe da cidade do homem morcego que, inclusive, sequer tem grande influência em Coringa. Quem toma seu lugar é Thomas Wayne, que está se candidatando a presidência e se mostra contra os protestos ocorrendo na cidade.

A inexistência de um recurso para dividir a realidade do que é delírio de Arthur é justamente o que cria a aproximação personagem-audiência. Os closeups no rosto de Joaquin, as transições suaves enquanto Arthur dança e todos os delírios são meios de humanizar um homem que já foi condenado pelo público antes mesmo de entrar na sala de cinema.

Joaquin não só perdeu 23kg para viver o Coringa, como desenvolveu minuciosamente uma voz corporal única: o modo como contorce seu corpo e rosto, tanto em ações simples (como levantar da cadeira), quanto em ações complexas (como dançar descendo um lance de escada ao som de Rock and Roll Part 2 enquanto ri maniacamente) faz com que o público perceba que o Coringa esteve dentro de Arthur Fleck o tempo todo, ele só precisava de um gatilho.

O que não quer dizer que ambos sejam a mesma pessoa, e isso é perceptível através das mudanças em sua risada. Ela verdadeiramente incomoda, remói, atormenta. As situações em que Arthur é posto faz o público humanizá-lo, entendê-lo. Isso com Arthur Fleck, jamais com o Coringa. Esse outro, na verdade, é destemido, corajoso e confiante, algo que Fleck jamais conseguiu ser.

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Como já esperado, o gatilho foi violência. Mas a violência em Coringa não é frequente e quando acontece é intensa, vívida e certeira. Três empresários de Wall Street decidem implicar com Arthur ao ponto de espancá-lo, ao passo que Arthur pega sua arma (previamente mostrada pelo roteiro)  e mata dois. O terceiro tenta escapar, mas Arthur o persegue e atira com firmeza. Essa última cena é fria e precisa, mostrando o pavor na vítima e a ambição em Arthur.

A construção de Arthur Fleck e, consequentemente, o Coringa, por Joaquin, é completamente diferente de outras faces do personagem já abordados:  criar um monstro que, na verdade, é introvertido e fracassado demais para amar os holofotes, mas que ao mesmo tempo é faísca para um movimento em Gotham inteira sem ao menos tentar e pouco se importar com isso é exatamente a construção de personagem que essa nova visão do Coringa propõe. Enquanto o filme acontece, Arthur fica cada vez mais confiante em seus delírios e mais destemido para utilizar da violência como marca registrada.

Coringa mostra no que culmina o abandono, a exclusão e traumas familiares junto com a sensação de prazer e alívio que Fleck encontra na violência. Desde “O problema de ter distúrbio mental é que as pessoas querem que você aja como se não tivesse” até Fleck correndo de e, depois, atrás de um enfermeiro após ser internado, Coringa acerta nas doses de cada elemento. E no final, quem riu por último?

Coringa estreia dia 3 de outubro. Confira o trailer:

Gabrielle Yumi
Jornalista e sócia do Quarto Nerd, sou apaixonada por cultura pop e whovian all the way. Busco ativamente influenciar e ampliar a voz de mulheres no meio geek/nerd. Cabelo colorido e muito pop é quem eu sou dentro do meu quarto nerd.