Atenção! A crítica de 13 Reasons Why a seguir possui spoilers da série e aborda conteúdos sensíveis como depressão e suicídio. Para contatar ajuda em momentos de crise, entre em contato com o Centro de Valorização à Vida pelo número 188 ou pelo chat disponibilizado no site.
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Ontem, 05, foi disponibilizado pela Netflix, a quarta e última temporada da série “13 Reasons Why” (“Os 13 porquês“). A série, que teve sua temporada de estreia em 2017, foi inspirada no livro com o mesmo nome e escrito por Jay Asher e, com certeza pode entrar para a lista de séries que a Netflix que tinham tudo para dar certo, mas, se perderam com o passar do tempo.
E já adianto que, se você está esperando por um final perfeito com homenagem a Hannah Backer (Katherine Langford) e tudo mais, você irá se decepcionar.
13 Reasons Why é o tipo de série que traz assuntos extremamente importantes, considerados como tabus, e que devem ser discutido nos dias atuais. Mas, infelizmente, não teve um enredo bom o suficiente para abordá-los.
Diferente da primeira temporada, a qual foi bastante abraçada pelo público teen, as demais temporadas se fizeram desnecessárias, podendo ser resumidas em apenas uma que tratasse do julgamento do Bryce (Justin Prentice) – mas, com ele sendo punido devidamente – e que os demais, se redimissem entre eles, partindo, enfim, para a formatura.
1001 narrativas ou a falta de uma
Com quase 11 horas distribuídas em 10 episódios – sendo o último chegando a quase 2 horas de conteúdo -, a narrativa presente na série decorre de forma equivocada, fazendo o espectador de bobo. E, como já era de se esperar (mesmo que não mostrado no último trailer como os demais lançados para as outras temporadas) a série se encarregou de trazer um último suspense em torno de mais uma morte (que parece ter sido escolhida no uni-duni-tê) de um dos alunos da Liberty High School.
O primeiro episódio, que instiga o espectador a descobrir quem morreu, como morreu e quem o matou, começa com uma cena de um funeral que proporciona a sensação de estarmos assistindo a mais uma temporada de Elite e não de 13 Reasons Why.
De forma tortuosa e lenta, o roteiro se desfaz diversas vezes ao longo da série, trazendo diversos acontecimentos que, simplesmente, não nos levam a lugar nenhum e, pior ainda, com alguns terminando sem resposta.
Mais uma vez: ainda não se sabe o motivo para ter continuado com a série, já que a mesma não cumpriu o seu papel relevante de abordar tabus fora da nossa bolha social.
Desconstrução e queda de Clay Jensen
E, então, de início, podemos até imaginar que a temporada iria girar em torno de mais um suicídio e que, desta vez, seria do próprio Clay Jensen (Dylan Minnette). O personagem, que se mostra instável durante toda a temporada, desfaz a ideia que tínhamos sobre sua força diante de momentos difíceis e traz um novo conceito sobre como seu psicológico está abalado desde a incriminação e a morte de Monty (Timothy Granaderos), ambas apresentadas no último episódio da terceira temporada.
Clay Jensen, então, fica responsável por abordar transtornos psicológicos dentro da série, mais precisamente, ansiedade, síndrome do pânico e o Transtorno Dissociativo de Identidade. Já nos primeiros episódios, é possível notar como Clay se vê perdido e totalmente distante dos seus amigos.
- Ponto positivo: o diretor de 13 Reasons Why, Brian Yorkey, consegue fazer com que o espectador seja levado para dentro da cabeça de Jensen, sem conseguir diferenciar a realidade das alucinações;
- Ponto negativo: o diretor abusa demais da quantidade de cenas com alucinações de Clay durante a série, se esquecendo das histórias do restante do grupo e usando isso para preencher as lacunas vazias dos episódios.
Tudo isso fica bastante claro logo nos três primeiros episódios, aonde, seguindo um pouco do que sentiu com a morte de Hannah Backer, Jensen é “perseguido” pelo fantasma de Bryce e, principalmente, de Monty. O adolescente se culpa pela morte do atleta e tudo piora com a chegada de Winston (Deaken Bluman), o seu ex-ficante, que ameaça o grupo de amigos a desmascará-los para a polícia.
O vilão que não é vilão
E é aí que o problema começa e a história de 13 Reasons Why começa a se perder.
Winston é um dos personagens que foram desnecessariamente inclusos na trama e que não agregam absolutamente em nada (mais para frente terá mais exemplos claros sobre isso).
Imagina-se, de primeiro momento, que Winston seria o “vilão” da série e que, possivelmente, ele faria de tudo para descobrir a verdade e fazer justiça para Montgomery. Mas, não é isso o que acontece. Após se transferir para a Liberty, Winston começa a se aproximar de Tyler (Devin Druid) e, posteriormente, de Alex (Miles Heizer), os quais não fazem ideia de que ele quer apenas se vingar em nome de Montgomery.
Winston, que até então não havia provas do que de fato aconteceu, começa a investigar o grupo de amigos e acaba se tornando o primeiro ficante homem de Alex. Em seguida, a história se emaranha até o quarto episódio, fazendo com que o casal – que, com certeza, tinha mais química de que todos os outros casais da série juntos – se separe apenas por Clay contar ao Alex sobre quem realmente Winston é.
Mas, se retornarmos para a terceira temporada, podemos lembrar de Alex na festa em que Monty bate em Winston após beijá-lo e de todos os demais estarem com a Ani (Grace Saif) quando o rapaz a aborda em frente ao Monet’s para questionar o motivo pelo qual a fez incriminar Montgomery pela morte de Bryce Walker. Era de se esperar, então, que todos reconhecessem o rapaz e se preocupassem com a sua chegada ao colégio. Porém, mais uma vez a trama deixa a desejar.
O personagem se perde, não traz nenhuma sensação de preocupação para quem assiste (e arrisco até dizer que nem para os próprios personagens) e, mais uma vez, cai na ideia clichê de que as pessoas fazem loucuras por amor, desde trocar de colégio para vingar a sua morte até não te entregar para a polícia ou para os seus colegas de investigação que você é o verdadeiro culpado pela morte do Bryce.
Com certeza, não havia necessidade nenhuma de Winston entrar para o elenco principal.
Coadjuvantes como figurantes
Ainda partindo da ideia de que alguns atores não precisavam ter participado da história de 13 Reasons Why, podemos destacar mais três personagens que entraram para preencher o vazio do elenco.
- A irmã que ninguém sabia que existia
Em primeiro lugar, pode-se notar a atriz Inde Navarrette e sua atuação como Estela de la Cruz. Sim, é isso mesmo que você leu. Ela é irmã do falecido Montgomery e, assim como Winston, não temos ideia de quem teve a brilhante ideia de colocá-la na história.
Estela é totalmente diferente de seu irmão, sendo uma pessoa gentil e extremamente responsável. No primeiro episódio, o espectador é instigado a saber o motivo pelo qual a adolescente é introduzida na história, provocando a ideia de que ela iria ajudar Winston a encontrar a verdade sobre seu irmão. Mas, a verdade é: não há motivo.
A personagem faz parte da história apenas para inserir mais um clichê no enredo, fazendo com que o mocinho – e nesse caso, quero dizer a vítima – se apaixone pela irmã do antagonista. Ainda que houvesse tempo o suficiente para construir um romance de tirar o fôlego, Brian faz com que Tyler e Estela se aproximem da forma mais estranha possível.
- Mais um atleta, mais uma confusão
Outro personagem que, com certeza, tinha tudo para se tornar o verdadeiro vilão da série e, no final, não agregou em nada para o elenco, é o Diego Torres (Jan Luis Castellanos).
Diego representa todo o esteriótipo que a série construiu em volta dos atletas de futebol e, ainda sim, conseguiram fazer com que a Jessica (Alisha Boe) – mulher forte, independente, símbolo de força as vítimas de estupro – caísse na tentação de mais um jogador de futebol para, atenção aqui, fazer cíumes no ex-namorado, Justin Fooley (Brandon Flynn). E, aí, mais uma vez o vilão se perde por conta do amor.
- Da terceira temporada para a vida
Por último, podemos destacar a Ani. A personagem já havia aparecido na terceira temporada e, simplesmente, para fazer algo que qualquer um dos demais personagens poderia fazer. Ani, ainda, entrou com o objetivo de ser o par romântico de Jensen, o que não deu certo, de novo, por falta de química do casal.
Todo fã (e hater) que se preze pode confirmar que Ani não é nada mais que uma personagem para preencher o elenco que já estava completo. Sem sentido, mais uma vez, a história de uma personagem se perde e, no caso de Ani, fica de fora durante alguns episódios, para voltar e continuar seu papel de figurante.
De mal a pior
E, é claro, que não podíamos deixar de falar sobre a ascensão de alguns personagens ao longo da série, que, fazem jus a frase: “quanto mais alto se está, maior será o tombo”.
- Justin e Jessica:
O casal, que passou por altos e baixos desde a primeira temporada, finalmente havia se entendido e tinha uma história de amor linda – e bastante estranha também – para ser reforçada na quarta temporada. Até Justin decidir voltar da reabilitação e terminar com a Jess sem motivo nenhum, utilizando do bom e velho clichê “não é você, sou eu”.
Mas, o casal, de alguma forma, ainda continua conectado durante a temporada e quando o espectador acha que os dois iriam viver felizes para sempre, o rapaz adoece (uni-duni-tê) e falece no último episódio, acabando com toda a ideia que o espectador construiu sobre o funeral.
- A que ponto chegamos?
Quem não lembra de Zach Dempsey (Ross Butler)? O garoto que teve um romance secreto com Hannah Backer e também foi listado como um de seus motivos? Que ajudou a ex-namorada de Walker a abortar e que deu uma surra no atleta em seu último dia de vida?
Pois então. Zach foi mais uma das grandes decepções da série, construindo uma imagem de bad boy da maneira errada e colocando-o como o novo alcoólatra da turma.
Zach, de aluno nota 10 e queridinho da sala, passa a ser o cara que não é aceito em nenhuma faculdade e, de repente, descobre uma carreira de música e escolhe continuar na escola – que lhe trouxe os piores problemas e traumas de sua vida – como treinador do time de futebol.
Um final um tanto imperfeito para o personagem perfeito.
- Racismo, relacionamento abusivo e romantização de estuprador
Esse, definitivamente, é o pior dos tópicos de toda a série.
Desde o início da temporada, a Liberty decide introduzir algumas políticas de segurança na escola, colocando câmeras, detectores de metal na entrada e policiais pelos corredores.
Até que, em uma oportunidade perfeita para falar sobre racismo, um dos policiais age violentamente com Diego após uma de suas brigas com Justin. Enquanto Justin fica gritando que Torres não havia feito nada e que ele também era responsável pela briga dos dois, o policial simplesmente o ignora e algema apenas Diego, demonstrando com clareza a cultura violenta de policiais brancos com pessoas pretas.
Mas, da forma mais sutil possível, o roteiro da série faz com que esse racismo seja transformado em um protesto dos alunos contra o colégio, se esquecendo de punir o policial e trazendo Diego para a cena seguinte como se nada tivesse acontecido, numa clara diminuição de importância do caso.
Por outro lado, temos Torres como uma das pessoas mais agressivas e impulsivas da temporada, principalmente com Jessica, reforçando a ideia de que ele seria digno de uma namorado abusivo e violento. E, mais uma vez, Jessica se curva para o rapaz e eles terminam em um belo pré-romance após a morte de Justin.
E, é claro, que não podíamos deixar de falar de como Bryce e Monty foram completamente romantizados durante a série, mesmo que ambos tenham feito coisas extremamente terríveis. Além disso, o enredo, basicamente, faz com que os atletas sejam lembrados a todo momento como pessoas que sempre protegeram os seus amigos em momentos difíceis para eles (e sabemos muito bem que momentos são esses).
A esperança é a última que morre
No entanto, ainda sim, podemos destacar que, mesmo que sem necessidade alguma, a quarta temporada nos trouxe coisas boas. E uma delas, certamente, é a evolução de Tyler que foi marcada pela volta daquele menino gentil e carinhoso que conhecemos na primeira temporada.
Mas, a que mais marcou a temporada positivamente (mesmo que com uma química inexistente), é a autodescoberta de Alex como homossexual, reforçando a ideia de que todo tipo de amor é aceito. O personagem enfrenta, inicialmente, o próprio preconceito sobre sua sexualidade, o que é representado pela sua feição apática ao longo da temporada.
Por último, Tony (Christian Navarro) é o um dos personagens mais promissores e merecedores da série. O crescimento do adolescente se fez ser ainda mais importante com o jeito que ele protege e ajuda os seus amigos, descontando sua raiva em algo que lhe faz bem: a luta.
Crítica final e nota da temporada
Em suma, 13 Reasons Why deveria, sem dúvida alguma, ter acabado na primeira temporada ou, no máximo, com episódios bem selecionados da segunda até a quarta temporada, que fariam mais sentido do que o enredo mal construído durante as três últimas temporadas e que não deixariam pontas soltas (como o exame toxicológico positivo do Clay, ou a raiva que Winston sente da mãe).
Ainda que ela trate de problemas importantes e demonstre a relevância de termos mais filmes e séries que abordem estes assuntos, a história poderia ter sido tratada de maneira menos traumática, sem cenas que causam gatilho ou desconforto aos espectadores.
Contudo, ainda conseguimos tirar coisas boas da trama, como o discurso final de Clay e de Jessica, incentivando os alunos (ou qualquer outra pessoa) a procurar ajuda – seja um amigo de confiança, seja um parente próximo, ou um profissional de saúde – nos momentos mais difíceis, pois sempre haverá alguém que os ame e que irá apoiá-los.
Título: 13 Reasons Why
Temporadas: 4
Elenco: Katherine Langford, Justin Prentice, Dylan Minnette, Timothy Granaderos, Deaken Bluman, Devin Druid, Miles Heizer, Grace Saif, Inde Navarrette, Jan Luis Castellanos, Alisha Boe, Brandon Flynn, Ross Butler e Christian Navarro.
Nota: 1,5/5