Crítica | O Gambito da Rainha mostra a linha tênue entre vício e genialidade

Assim como toda partida de xadrez, o jogo exige extremo raciocínio lógico e pensamento futuro, que muitas vezes parecem difícil de acompanhar para quem não joga ou não está acostumado. Porém, a nova série da Netflix, O Gambito a Rainha, consegue externar a emoção de uma partida através da brilhante, e também trágica, vida de Elizabeth Harman (interpretada por Isla Johnston em sua versão criança, e por Anya Taylor-Joy já jovem).

Já na cena de abertura da série, Beth acorda vestida dentro de uma banheira cheia d’água, com batidas na porta a chamando para algo. Ela então atende pedindo alguns momentos que logo estaria pronta. Entre trocar de roupa e chegar ao local que precisa, a personagem toma algumas pílulas juntamente com uma quantidade de álcool. Qual é esse lugar importante? Dentre todos os possíveis de se imaginar com a quantidade de informações dadas sobre Beth até agora, ele é inesperado: uma importante partida de xadrez.

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Mas o roteiro pede para você segurar essa informação um pouco e volta cerca de 10 anos antes, com uma Beth recém órfã com apenas 9 anos indo para seu primeiro dia no orfanato, após sua mãe morrer em um acidente de carro. É nesse orfanato que a personagem acha no xadrez apresentado por Mr. Shaibel (Bill Camp), uma forma de escape da realidade. Isso e as pílulas dadas a todas as meninas do orfanato (tranquilizantes aparentemente liberados para crianças na época) já caminham para o que é apresentado na cena de abertura.

Anos se passam e Beth é adotada por um casal nem um pouco perfeito. O marido viaja a negócios pouco tempo depois e nunca mais volta. A mãe adotiva (Marielle Heller) se mostra, então, depressiva e alcóolatra, mas muito doce com Beth. Após entrar em seu primeiro torneio e ganhar, sua mãe começa a apoiar sua entrada em competições (com um viés financeiro, pelos prêmios que eles oferecem) que chegam na cena que é apresentada no começo da série.

A jornada de Beth é mais real do que parece

NETFLIX © 2020

Apesar do xadrez parecer o centro da minissérie, O Gambito da Rainha não deixa de ser sobre a jornada de amadurecimento da personagem. Beth, durante seu caminho para vencer seu maior oponente (o “Russo”), também lida com questões para além do que uma jovem encontra.

Sua auto cobrança a leva a patamares quase que impossíveis de serem alcançados. Vencer é a validação que Beth precisa, e isso faz ela entrar em um ciclo autodestrutivo de perfeição. Isso significa mais pílulas e mais bebidas. Seu vício se torna incontrolável e culmina no ponto mais baixo de sua vida (e mais alto na atuação de Anya).

E o grande ponto forte da minissérie se mostra na visão verídica da linha tênue entre a genialidade e o vício. Essa linha já muito se foi vista no mundo real, principalmente na música, com artistas como Amy Winehouse sofrendo da mesma coisa. Assim, os efeitos e consequências da pressão externa e interna sofridas por Beth criam profundidade na personagem e tiram a história do puramente fictício para uma representação válida do mundo real.

A solidão alimenta o vício O Gambito da Rainha

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Durante esse ponto mais baixo de sua vida, diversos homens que passaram na vida de Beth tentam ajudá-la, nesse Complexo de Salvador, onde somente um homem que a amasse seria capaz de salvá-la dessa destruição.

Porém, a série nega o caminho óbvio e traz de volta a amiga do orfanato de Beth, Jolene (Moses Ingram), com o que é uma das melhores frases da minissérie: “Eu não estou aqui pra te salvar. Estou aqui porque você precisa que eu esteja“.

Assim, O Gambito da Rainha mostra que Beth não precisa de um salvador, mas sim de companhia. A solidão nunca lhe fez bem, só fazia voltar aos padrões autodestrutivos que ela havia construído durante sua vida. É assim que a minissérie acha a humanidade na genialidade e frieza que Beth apresenta em frente ao público.

Então, enquanto a personagem gradualmente se descobre e descobre o mundo – ganhando de um jogador atrás do outro em sua jornada até o Russo – Scott Frank (diretor e roteirista) utiliza da edição e cinematografia para transformar o jogo de xadrez em uma das cenas mais divertidas que você verá.

Título: O Gambito da Rainha
Temporadas: 1
Elenco: Anya Taylor-Joy, Moses Ingram, Bill Camp, Thomas Brodie-Sangster, Marielle Heller, Harry Melling, Rebecca Root

Nota: 4/5

Avaliação: 4 de 5.

A série já está disponível na Netflix. Estreou dia 23 de outubro.

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Gabrielle Yumi
Jornalista e sócia do Quarto Nerd, sou apaixonada por cultura pop e whovian all the way. Busco ativamente influenciar e ampliar a voz de mulheres no meio geek/nerd. Cabelo colorido e muito pop é quem eu sou dentro do meu quarto nerd.