Clint Eastwood faz 95 anos hoje! O ator e também diretor de cinema é uma lenda e isso ninguém pode negar. Com 4 Oscars acumulados ao longo de 70 anos de carreira, Clint entra para a história do cinema como um grande realizador, dedicando sua vida a sétima arte. Para comemorar seu aniversário, o QN decidiu rever alguns filmes do diretor e dizer se eles têm relevância nos dias de hoje. Os filmes escolhidos abrangem os 40 anos de sua carreira como diretor, passando pelos anos 90 até seu possível último filme, lançado em 2024. Dessa forma, foram escolhidos os filmes Os Imperdoáveis (1992), Menina de Ouro (2004), Sniper Americano (2014), O caso de Richard Jewell (2019) e Jurado N° 2 (2024).
ALERTA: Esse artigo irá falar sobre alguns filmes que Clint Eastwood dirigiu que estão disponíveis no streaming na data de hoje. Portanto, caso não tenha assistido a algum filme, é importante ressaltar que haverá SPOILERS sobre a trama adiante. Por fim, vale lembrar também que esse artigo é do ponto de vista de uma pessoa e não contém a verdade absoluta. Caso tenha visto algum filme que discorde da interpretação, adoraríamos saber mais nos comentários.
Parâmetros de análise dos filmes de Clint Eastwood
Antes de analisar os filmes e chegar a um veredito, nada mais justo do que expor os parâmetros adotados na análise. Conforme dito anteriormente, escolhemos filmes que estavam disponíveis no streaming na data desta matéria. Além disso, tentamos abranger diversas épocas do diretor, para assim verificar se houve mudança tanto na forma de dirigir quanto nas temáticas abordadas. Porém o ponto central da análise é se o filme realizado conversa bem com o pensamento contemporâneo.
O pensamento contemporâneo da atualidade engloba assuntos que são mais relevantes para os dias de hoje. Podemos listas as questões sobre o meio ambiente e sustentabilidade; a diversidade, inclusão, igualdade e respeito às diferenças; questões sobre saúde mental e bem-estar e também inovação tecnológica aliada a ética digital como tópicos importantes para a discussão dos dias atuais. Um filme, por mais antigo que seja, pode exemplificar como antigamente as coisas funcionavam, mas se a mensagem final for de manter o status quo operante, não é um filme relevante para a atualidade de acordo com os parâmetros estabelecidos na análise.
Um exemplo é a série Bridgerton que, apesar de ser uma série que se passa nos anos 1800, atualiza a temática para os dias atuais e traz maior visibilidade para negros em papéis de destaque, inclusive na realeza, como também personagens femininas fortes que desafiam as normas sociais buscando independência.
Os Imperdoáveis (1992)

Clint Eastwood começa a dirigir na década de 70, em sua maioria filmes de faroeste e ação. Por isso não é surpresa que Os Imperdoáveis, filme de 1992, fosse o filme que iria gerar sua primeira indicação ao Oscar e sua vitória nas categorias de melhor filme e direção. Por ser um filme de faroeste, gênero que o diretor domina, é inegável que sua direção está ótima, com uso de enquadramentos abertos e movimentação de câmera lenta, tornando o filme quase como se fossem quadros em movimento. Aliás, Clint consegue uma proeza que é conseguir dirigir um ator quase inexperiente de forma tão natural, fazendo de Jaimz Woolvett parecer quase um ator veterano no filme. Porém, como diversos filmes deste gênero, o filme peca por não conversar bem com os temas da atualidade.
No filme, Clint interpreta Bill Munny, um pistoleiro aposentado que volta ao crime para buscar vingança contra dois homens que mutilaram uma prostituta. Junta-se a ele seu antigo parceiro, interpretado por Morgan Freeman e um jovem pistoleiro, interpretado por Woolvett. Bill largou a vida do crime quando se casou, abandonando assim sua arma, sua bebida e adotando uma vida cristã. Ele decide aceitar essa missão não pelo dinheiro, mas fato de um crime ter sido cometido e quem o cometeu ficar impune. Ainda assim, é crime buscar justiça com as próprias mãos, mas isso não o impede.
Assim temos um primeiro tema muito explorado pelo diretor, que é a questão da moralidade, justiça e virtude. Em um mundo violento em que mulheres não são ouvidas, é necessário que Bill faça justiça com suas próprias mãos, mas essa mensagem não envelhece bem atualmente, visto que temos diversas pessoas tornando-se justiceiras, justificando suas ações com aquilo que elas acreditam ser o correto.
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Em primeiro lugar, o papel da mulher no filme fica restrito a ser uma vítima que precisa da ajuda de um homem para salvar sua “honra”. Mais do que isso, as únicas mulheres que aparecem no filme são prostitutas, como se naquela época houvesse apenas dois tipos de mulheres: prostitutas ou esposas. Soa também condescendente o fato de Bill, que largou a vida bandida pela sua esposa, voltar a ativa não pela recompensa, mas sim pela honra, como se aquelas mulheres não conseguissem se defender. Ora, tem uma cena em que elas colocam homens para correr e uma delas inclusive atira. Será que era realmente necessário um homem nesta situação? Assim, o filme fica datado e não envelhece bem.
O filme está disponível para assistir no MAX
Menina de Ouro (2004)

Um dos filmes mais famosos de Clint Eastwood, Menina de Ouro é uma pérola para assistir e chorar por dias. Hilary Swank é Maggie, uma determinada garota que quer se tornar uma lutadora de boxe profissional. Frank é dono de uma academia que treina e agencia boxeadores há anos. Porém Frank, vivido pelo próprio Clint, não aceita treinar mulheres. E Maggie só aceita ser treinada por ele.
No filme, Frank é um católico que já deixou de acreditar em Deus há muito tempo. Cheio de questionamentos, ele frequenta a Igreja como hábito, talvez tentando buscar alguma ajuda divina com sua filha, por quem ele não tem notícias há anos. Sua principal “falha” é ser cuidadoso demais e nunca arriscar, fazendo com que o grande boxeador que está treinando troque-o por outro, que o coloca para disputar o medalhão. Quando aceita treinar Maggie, ele continua com o seu traço cauteloso e seu amigo, interpretado por Morgan Freeman, relembra que ele perdeu a visão de um olho em uma luta, mas que foi a melhor luta de sua vida. Assim, ele decide arriscar e colocar Maggie para lutar contra uma boxeadora que não joga limpo. Resultado? Maggie sofre um acidente e nunca mais poderá andar ou lutar.
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Este é dos poucos filmes do diretor em que a personagem principal é uma mulher. Com uma escolha maravilhosa, Swank consegue transmitir uma força e vulnerabilidade emocionantes. Sua trajetória de luta, persistência e dedicação ao sonho de ser uma boxeadora retrata uma mulher determinada e inspiradora. Assim, mostra que, com dedicação, conseguimos chegar e realizar nossos sonhos. No entanto, o filme também traz uma mensagem de meritocracia, que não é verdadeira.
No filme, Maggie é garçonete há anos e guarda todo dinheiro que recebe. Ela come restos de comidas deixados na lanchonete em que trabalha e fica até de noite treinando, sendo a última pessoa a deixar a academia. Essa crença de que, se alguém for bom e batalhador, automaticamente terá sucesso, é uma falácia, pois muitas pessoas esforçadas, batalhadoras e guerreiras não chegam lá. A ideia da meritocracia só faz com que a sociedade adoeça e tenha uma saúde mental lastimável.
Contudo, o filme aborda a questão da eutanásia, tabu nos dias atuais. Maggie explica para Frank que ela não é nada sem o boxe e, se não pode lutar, não quer mais viver. Em um ato de misericórdia, Frank aceita injetar uma quantidade absurda de medicação em sua veia para que ela morra. Uma das cenas mais emocionantes do cinema e também uma das mais importantes, mostrando que eutanásia não é assassinato e sim um ato de amor ao próximo. Apesar do discurso da meritocracia, o filme envelheceu bem.
O filme está disponível para assistir no MUBI.
Sniper Americano (2014)

Baseado na vida real de Chris Kyle, Bradley Cooper vive Chris, um atirador de elite condecorado por sua atuação na Guerra do Iraque, na qual matou mais de 150 pessoas. O filme é muito bem interpretado por Cooper que, se não fosse por ele, tornaria as mais de 2 horas de duração insuportáveis. Isso porque o filme é repleto de mensagem pró exército. Os treinamentos desumanos e abusos proferidos pelos treinadores são mostrados como se fosse algo rotineiro, necessário a se passar para se tornar um bom soldado. Não há crítica no filme, como se esse rito de passagem fosse necessário.
Em outros filmes, um herói é aquela pessoa que salva uma cidade, um planeta ou até a humanidade. Temos inúmeros exemplos na ficção como Batman, Superman, As meninas super poderosas. E também na vida real como Malala, Ghandi, Jesus. A semelhança entre eles? Todos lutam com um ideal e salvam vidas, não a tiram. Já Chris é considerado herói nacional por ter matado 150 pessoas. Claro, podemos ver pela ótica norte americana de que Kyle estava lutando pelo seu país e as mortes foram em decorrência da guerra. Dessa forma ele estaria salvando vidas, porém a guerra em si e seus motivos geopolíticos é questionável. Além disso, com tantos jovens com acesso a armas nos EUA, é perigoso exaltar uma pessoa justamente pela sua destreza em manusear armas e saber usá-las em pessoas.
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Por fim, termino com a anedota contada pelo pai de Chris no começo do filme. Existem três tipos de pessoas. Os cordeiros são aqueles que acreditam que não há mal no mundo e, por isso, não conseguem se proteger. Há os lobos, que são predadores e utilizam violência para intimidar e subjugar os mais fracos. E há os abençoados pelo dom da agressão, que usam disso para proteger o rebanho de cordeiros. Esses últimos são raros. Esse último é Chris Kyle que, com uma fábula bonita, justifica o uso da violência e celebra a morte de pessoas como um ato de proteção. Esse filme não só não envelheceu bem como também é um grande perigo para jovens que irão desculpar suas ações violentas com um discurso de “proteção” daquilo que acredita.
O filme está disponível para assistir no MAX
O caso de Richard Jewell (2019)

Clint Eastwood dedica boa parte da sua filmografia para retratar heróis norte americanos, como foi o caso de Sully e Sniper Americano. Desta vez, temos mais um filme de herói. Baseado em um artigo da revista Vanity Fair, Richard é um segurança que sonha em se tornar policial. Em um evento musical, ele descobre uma mochila abandonada durante as Olimpíadas de Atlanta de 1996. Seguindo o manual a risca, ele decide chamar os policiais presentes no local e convence eles a chamarem esquadrão antibombas. Infelizmente a bomba explode, mas com a rápida ação de Richard ele consegue diminuir drasticamente o número de mortos e acidentados com a explosão.
Em uma escolha pessoal do diretor, Clint Eastwood decide mostrar desde o começo que Richard não foi o responsável pela bomba. Assim, o diretor tira toda a potência da história, pois não há suspense. O filme todo fica restrito a ver como a mídia e o FBI culpam uma pessoa inocente. Mais do que isso. O filme mostra como uma pessoa bem intencionada, mas que preenche todos os requisitos de suspeito clássico (homem branco, não casado, sem namorada, mora com a mãe, gosta de armas) dos perfis policiais. Em um mundo onde temos políticos questionando resultado de eleições, a população desacreditando a mídia tradicional e disputas de narrativas que se beneficiam de fake news, um filme que coloca agentes da mídia e segurança como vilões se torna problemático.
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Aliás, a mídia é massacrada neste filme. Ela é retratada de duas maneiras no filme. A primeira é uma massa que não deixa Richard nem sua mãe saírem de casa. Muito visto em casos de paparazzis, essa é aquela mídia intrusiva, que tira a rotina e tranquilidade da pessoa que está em destaque. A outra é através de uma jornalista interesseira que troca sexo com um agente do FBI em busca de informação privilegiada e que só se importa em escrever o grande furo da vez.
A jornalista em questão é interpretada por Olivia Wild que, apesar de ser uma atriz incrível, fica presa ao maniqueísmo de sua personagem. Em pleno 2019, já deu de retratar mulheres assim, não? Ela até tem seu arco de redenção ao refazer os passos e ver que não daria tempo de Richard ter feito a ligação e estar presente no evento. Ainda assim, o estrago estava feito e ela fica presa ao que fez. Definitivamente esse é um filme que não conversa bem com os dias atuais.
O filme está disponível para assistir no MAX
Jurado N° 2 (2024)

O último filme de Clint Eastwood, por enquanto, sofreu quase que um boicote do estúdio por se tornar o primeiro filme do diretor que não foi lançado nos cinemas. Independente se o filme seja bom ou ruim ou se ele dialoga com os dias atuais, Clint é um diretor de prestígio que já trouxe diversos prêmios para o estúdio. Além disso, ele sempre faz filmes com orçamento reduzido e entrega o filme antes do prazo estabelecido pelo estúdio, ética de trabalho pouco vista hoje em dia. Em linhas gerais é um desrespeito com o diretor e com sua carreira.
Falando especificamente do filme, ele conta a história do Jurado número 2, um rapaz que espera o nascimento de seu primeiro filho e é chamado para julgar um caso que ele não sabe do que se trata. O homem que está sendo julgado jura que não matou a namorada, mas as evidências apontam para o contrário. Até que o Jurado número 2 percebe que, não só ele estava no local do crime, como ele pode ter um certo envolvimento com ele. E aí começa um dos filmes mais interessantes do diretor, que questiona até que ponto iremos falar a verdade e como conviver com ela.
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Enquanto o jurado tenta colocar dúvida nos demais quanto ao que realmente aconteceu no dia, ele tenta descobrir o que aconteceu de fato. Isso porque no dia em questão ele, voltando para casa, atropela algo. Até então ele acreditava ser algum animal, mas agora fica na dúvida. Junto com ele um outro jurado, um ex policial, descobre algumas informações que colocam em evidência essa teoria. Isso porque o carro do Jurado número dois foi levado para a oficina um dia depois da data do desaparecimento da vitima.
É interessante ver como cada pessoa trabalha com aquilo que é verdade. O homem que foi acusado jura que ele não é culpado e insiste ir a julgamento para provar sua inocência. A advogada da acusação aceita que ele é culpado pelas provas rasas que possui. O Jurado número 2 quer descobrir a verdade, mas não contá-la. Ele só não quer que uma pessoa inocente pague pelo seu crime. Os demais jurados só querem ir para casa e não pensar mais nisso. Depois de passar pela fase do herói, em que todos podem cometer erros, mas no geral são sempre cidadãos exemplares, Jurado N° 2 é uma grata surpresa para questionarmos a moralidade.
O filme está disponível para assistir no MAX
Veredito dos filmes de Clint Eastwood
Independente do veredito, Clint Eastwood é um excelente diretor e deve ser assistido. Sua filmografia é super diversificada e com certeza terá um filme que entrará no seu TOP 10 da vida. Infelizmente, pelo recorte feito por nós, dois filmes dialogam com os dias atuais e três não. Assim, por essa análise, os filmes de Clint não envelheceram bem, pois estão contemplando temáticas que não dialogam com a realidade atual. Mas insisto: isso não quer dizer que não devemos assisti-los, apenas precisamos vê-los e ter senso crítico para não internalizar um discurso retrógrado.
Mas é você, assistiu algum filme de Clint Eastwood? Conta para a gente o que achou deles nos comentários!
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