Desde o lançamento de Arcane (2021), o ship de CaitVi se tornou mais forte do que nunca. As personagens Caitlyn e Vi, no jogo, têm lores sugestivas, mas a Riot Games nunca antes havia confirmado nada além de uma parceria afetiva e profissional.
Terminamos a primeira temporada da série suspeitando de um baita queerbait, mas para a felicidade de todos, a comunidade LGBTQIAP+ não saiu invisibilizada dessa vez. Ao longo da segunda temporada, CaitVi (ship oficial do casal) se confirma com um beijo antes de um combate potencialmente fatal, passa por um rompimento, e se concretiza em um final feliz — algo raro de se ver em representações de casais homossexuais.
De fato: além de ser extremamente vanguardista no que diz respeito aos enredos e à impecabilidade da animação, Arcane consegue romper com o padrão na retratação de suas mulheres (algo que falei mais profundamente neste artigo) e, principalmente, construir um relacionamento entre duas mulheres sem que ele esteja atrelado com uma bandeira política.
Vi e Caitlyn ficam juntas porque precisam ficar juntas — isso está implícito desde o momento em que Vi foi lançada como Campeã parceira de Caitlyn no jogo, em 2012 —, e não porque a série precisava de uma “cota gay”. Além disso, o relacionamento não é, de forma alguma, dispensável para a história. O arco principal (da relação conflituosa das irmãs Vi e Jinx) não seria tão emblemático sem a tensão que a mera existência de Caitlyn representa e o ciúme que a atenção recebida causa em Jinx.
A série não é sobre o romance das duas, não é um manifesto sobre a historia de amor entre pessoas do mesmo sexo, mas retrata tal advento com a naturalidade merecida. Arcane normaliza um acontecimento que, para nós, pessoas LGBTQIAP+, é tão corriqueiro quanto em pessoas héteros — o amor.
Eu, como uma lésbica acostumada a assistir shows apenas pelo apoio a qualquer migalha de representatividade, não posso deixar de notar importantes marcas de gênero na relação “slowburn” que a Riot e a Fortiche Productions construíram para as duas maiores defensoras da Cidade do Progresso. Por isso, tentei ressaltar, neste artigo, os principais elementos presentes em CaitVi que conversam com a temática da identidade de gênero dentro de casais sáficos.
Este artigo contém spoilers. Se você ainda não assistiu Arcane temporada 2, talvez agora seja um ótimo momento para começar a maratonar!
CaitVi do jogo para as telas
![Splash art do jogo League of Legend, no qual as Campeãs Caitlyn e Vi aparecem lado a lado.](https://i0.wp.com/oquartonerd.com.br/wp-content/uploads/2025/02/image-8.png?resize=768%2C432&ssl=1)
[Imagem: Riot Games]
Segundo a lore de League of Legends, Caitlyn (lançada em 2011) e Vi (introduzida em 2012) são duas figuras opostas que, apesar de origens e trajetórias diferentes, se uniram para proteger Piltover em meio ao caos nos conflitos contra a subferia de Zaun.
Caitlyn Kiramman nasceu em uma família rica de mercadores de Piltover, aprendendo desde cedo a navegar entre a elite e as florestas ao redor da cidade, onde desenvolveu suas habilidades de rastreamento e tiro de precisão. Sua vida tranquila foi destruída quando sua casa foi saqueada e seus pais sequestrados, um evento que despertou nela um senso de justiça inabalável. Determinada a desvendar a trama criminosa por trás do ataque, Caitlyn se tornou uma investigadora particular, ganhando fama por sua inteligência, determinação e a habilidade de resolver casos complicados com seu rifle hextec, um presente de seus pais.
Violet Blake, por outro lado, teve uma infância difícil nas ruas de Zaun, marcada por perdas e violência. Criada em meio às condições insalubres de uma cidade subterrânea, ela se destacou por sua força e habilidade em resolver conflitos com os punhos. Desde jovem, liderou gangues e construiu uma reputação como uma figura rebelde e impulsiva, mas com um senso moral peculiar: nunca prejudicava os mais vulneráveis. Seu mentor tentou discipliná-la, ensinando-a a canalizar sua raiva e a usar sua força com propósito. Após um período de desaparecimento durante conflitos intensos entre Piltover e Zaun, Vi ressurgiu ao lado da então Xerife de Piltover, Caitlyn, em uma aliança inesperada que chocou aqueles que a conheciam.
No jogo, ainda, a Campeã Jinx é apresentada como uma zaunita imprevisível, famosa por seus atos de destruição e caos, que desafiam a ordem da Cidade do Progresso. Embora muitos se lembrem dela como uma menina criativa e curiosa que não se encaixava, ninguém sabe ao certo o que a transformou na lunática que assina suas obras com grafites provocativos e explosivos. Seus crimes, que variam de travessuras perigosas a roubos grandiosos, ganharam notoriedade, especialmente por ela sempre escapar das armadilhas de Caitlyn e Vi (da qual ela parece ter uma obsessão especial).
A relação entre essas três personagens é marcada por oposição e contraste. Caitlyn, com sua busca pela ordem e justiça, e Vi, com seu estilo direto e combativo, unem forças para conter os atos de Jinx. Enquanto isso, Jinx continua a desafiá-las, simbolizando o caos que ameaça desestabilizar a frágil paz entre as cidades.
Considerando a diferença na data em que as Campeãs foram lançadas (Jinx foi trazida à jogabilidade do público apenas no final de 2013), era necessário que suas histórias não dependessem uma da outra, embora as personagens, quando presentes na mesma partida, sejam feitas para interagir e gerar buffs (aumento de atributos) e/ou nerfs (diminuição de atributos) na jogabilidade. Por isso, nada parece muito bem amarrado — e é nessa defasagem narrativa que Arcane opera.
Em Arcane, as histórias de Vi e Caitlyn diferem um pouco do jogo, ganhando mais profundidade e nuances emocionais. No Rift, Vi já é uma Defensora de Piltover que trabalha ao lado de Caitlyn como uma parceira funcional, enquanto na série, sua origem em Zaun, sua relação com Jinx e o trauma de seu passado são mais explorados. Caitlyn, por sua vez, passa de uma xerife consolidada no jogo para uma jovem Defensora ainda em desenvolvimento profissional em Arcane, que trilha o caminho para provar seu valor de líder em meio à corrupção de Piltover.
A relação entre elas também é mais detalhada na série. Em vez de serem apenas colegas, Arcane mostra como Caitlyn retira Vi da prisão e como as duas desenvolvem gradualmente confiança e respeito mútuo, formando uma parceria estratégica que aos poucos vai se mostrando emocional.
Além disso, o conflito entre Vi e Jinx, que é menos explorado no jogo, se torna central na trama da série, afetando diretamente a dinâmica entre Vi e Caitlyn. Afinal, Vi se vê constantemente dividida entre amar e odiar a irmã, em sintonia com o amar (e tentar odiar) Caitlyn.
Dinâmica de papeis de gênero e a performance fluida da masculinidade em CaitVi
![CaitVi: Caitlyn segura o rosto de Vi e se aproxima para beijá-la.](https://i0.wp.com/oquartonerd.com.br/wp-content/uploads/2025/02/image-5.png?resize=768%2C432&ssl=1)
[Imagem: Riot Games, Fortiche Productions e Netflix]
Mesmo quando falamos de relações entre pessoas do mesmo sexo, é difícil não fazermos comparações e presunções sobre “quem é o homem, e quem é a mulher” do casal. Por mais que os debates sobre performance de gênero sejam pautas efervescentes nos dias atuais, mesmo nós, gays, reforçamos papeis de gênero ao relacionar ativo/ dominante com o masculino, e passivo/ submisso com o feminino. (Eu, na minha relatividade, sou a maior defensora da fluidez sexual, por mais que não deixe de ser lésbica — mas isso é papo para outro artigo.)
Ainda assim, quero comentar como esse símbolo do “masculino” se apresenta na relação CaitVi em diversos pontos, por vezes individuais em cada personagem, por vezes simultâneos.
- O rompimento de CaitVi
Comecemos, então, do meio: nada melhor do que uma briga cheia de tensão sexual não resolvida para apimentar o drama de um casal que todo mundo não aguenta mais shippar.
Vimos isso em CaitVi na primeira temporada de Arcane — farpinhas, olhares, discordâncias morais, embora um crescente afeto pautado em parceria e desejo reprimido. E, quando pareceu que elas finalmente iam ficar juntas na segunda temporada, depois de um tão esperado primeiro beijo… Outra briga. Ainda pior.
O desfecho disso? Para o desprazer de alguns (e críticas sobre a velocidade dos acontecimentos da série à parte), enquanto Vi enlouquecia pelas vielas e pela luta livre clandestina de Zaun, Caitlyn comprovava ao espectador a sua preferência por mulheres ao acordar do lado de outra, em um rolo pouco explorado que mais parecia passatempo e uma tentativa de superar aquela que realmente estava em seu coração. Eu me lembro de pensar: “ufa, ela é mesmo sapatão…! Mas, ai… coitada da Vi!”.
Entretanto, refletindo melhor sobre a performance de gênero durante esse episódio adverso para o casal, gostaria de pontuar que ambas as ações (entrar num ciclo de violência/alcoolismo e transar com outra pessoa para esquecer) são manifestos de imaturidade e negação frequentemente atrelados a um comportamento masculino nas narrativas.
Ora, as duas se recusam a ceder à saudade e conversar, como duas mulheres esclarecidas fariam. Preferem sufocar a emoção com outros estímulos e tentar seguir em frente.
Falo isso sem papas na língua. Fugir dos sentimentos é algo que ensinam, desde sempre, aos homens. “Homem não chora”. “Sentimento é coisa de maricas, de mulherzinha”. E a história dessas duas personagens, ainda que femininas, sugere uma dureza tão máscula quanto.
- O background de CaitVi
Vejamos: Vi cresceu praticamente nas ruas, criando caráter na base do soco. Não à toa, sua arma é uma dupla de manoplas. Já a criação de Caitlyn mostra uma figura paterna omissa, com a mãe performando a liderança familiar. Por isso, era esperado que Caitlyn seguisse seus passos, tornando-se uma matriarca fria, centrada na razão, na disciplina e na ambição (características frequentemente associadas a manifestações masculinas).
Além disso, com relação ao aspecto físico, é natural assumir que Vi, que possui um estilo desfem (“não-feminino”) e uma conduta flertiva mais ativa e predatória, tenha um papel mais masculino do que Caitlyn, que desde o início é desenhada numa caricatura da feminilidade — seja por suas roupas, sua personalidade recatada, terna e até um pouco inocente, ou por seu cabelo comprido e liso. Mas, na minha leitura, o que acontece ao longo do desdobramento da relação é justamente o oposto.
O arco de amadurecimento de Vi é sobre conciliar o amor que nutre por dois lados opostos de uma guerra, personificados nas personagens de Jinx (sua irmã mais nova) e a própria Caitlyn. Já o “amadurecimento” de Caitlyn reside no advento da perda de sua mãe, sua consequente ascensão como líder da casa Kiramman, o crescente ódio por Jinx e pelos zaunitas, que beira a insanidade, e o golpe de Estado que a torna uma ditadora implacável e sem escrúpulos, mesmo que isso signifique desapontar e rejeitar a mulher pela qual ela é apaixonada.
Ou seja, enquanto a trama de Vi é uma jornada pessoal que tenta fugir da solidão (tema de terapia muito frequente em lésbicas desfems) e busca um desfecho de amor — comum a representações da femininas —, a trama de Caitlyn é sobre a execução de um bom serviço, no intuito de cumprir sua missão política e familiar de honra e disciplina — comum a representações masculinas.
![Gif animado de CaitVi: Caitlyn segura o rosto de Vi e tenta acalmá-la.](https://i0.wp.com/oquartonerd.com.br/wp-content/uploads/2025/02/tumblr_af762465e4cea11a0a81a06514e1fe61_1d09412f_640.gif?resize=640%2C360&ssl=1)
[Imagem: Riot Games, Fortiche Productions e Netflix]
Pessoalmente falando, é aí que eu acho que está a genialidade da construção narrativa do casal. CaitVi não é, de forma alguma, estereotipada. A lésbica desfem sofre, chora, fantasia, enlouquece de amor, mesmo ao se colocar em um cenário másculo de lutas e abuso de álcool — retratos mais puros da emoção, extremo sempre representado em mulheres. Enquanto isso, a lésbica “patty” dorme com outra apenas para saciar suas vontades, amaciar seu ego, e tentar esquecer.
- Em resumo:
Lá atrás, é Vi quem flerta. Mas também, é Vi quem se entrega e se abre. Enquanto isso, Caitlyn corresponde até onde está confortável. Depois, age igual um boy lixo.
Ainda assim, é importante ressaltar que, mesmo em profunda negação sobre seus sentimentos, Caitlyn não é, de forma nenhuma, frígida à presença de Vi. No momento do seu reencontro, fica claro que a zaunita balança verdadeiramente as estruturas de Cait, e não apenas pelo desejo sexual envolvido.
Deste modo, o arco imoral de Caitlyn se interrompe, ao passo que ela recobra a razão do próprio dever diante dos olhos de Vi. Como o Yin-Yang — duas forças opostas que se complementam —, a admiração de Caitlyn liberta Vi de um passado turbulento, apenas para o afeto de Vi também salvar Caitlyn de se tornar alguém da qual ela se arrependerá.
De maneiras diferentes, o amor que as personagens nutrem uma pela outra, mesmo apesar de todos os pesares, é responsável por quebrar ciclos de violência tanto em suas condutas pessoais, quanto para com os ambientes que as cercam.
Vi, lealdade e submissão – “sou a sujeira sob suas unhas”
![Vi aparece olhando para a câmera, com um aspecto enfurecido.](https://i0.wp.com/oquartonerd.com.br/wp-content/uploads/2025/02/image-6.png?resize=768%2C432&ssl=1)
[Imagem: Riot Games, Fortiche Productions e Netflix]
O estereótipo que se presume a Vi muito pautado pela sua aparência desde a lore do jogo, é que ela seja uma sapatão predadora de atitudes de um “macho hétero”.
Em Arcane, as cenas da sua infância já sugerem uma adolescente tomboy que bate nos outros e age feito um moleque. Depois, durante os primeiros episódios de interação com Caitlyn, ela detém uma confiança e um conforto para flertar dignas de um homem, isso sem nem ter certeza sobre a sexualidade da outra.
![Gif animado de CaitVi: Vi encurrala Caitlyn na parede e lhe pergunta: "então, o que você prefere, homens ou mulheres?".](https://i0.wp.com/oquartonerd.com.br/wp-content/uploads/2025/02/tumblr_f0faf09f4d30dae30016b2ca3bc8a136_3fba06ea_640.gif?resize=640%2C360&ssl=1)
[Imagem: Riot Games, Fortiche Productions e Netflix]
De fato, algumas cenas mostradas reforçam e culminam para nos certificarmos do clichê. Mas um outro lado começa a se revelar ao passo que ela, ainda na primeira temporada, passa a se afeiçoar por Caitlyn.
Quando adolescente, Vi pautava seus episódios de violência na defesa daqueles que amava, especialmente da irmã mais nova — um traço materno e feminino. Já o carinho crescente que nutre por Caitlyn faz com que ela se torne mais insegura e cuidadosa na forma que se porta. Caitlyn não é apenas mais um rostinho bonito que ela vai pegar. Caitlyn é alguém com que ela genuinamente se preocupa e por quem ela, aos poucos, se permite mudar. Isso, é claro, sem saber ao certo sobre os sentimentos românticos da outra.
O espectador vê a violência inerente a Vi diminuir ao longo dos episódios. Seu senso moral é moldado pela estranha fidelidade que ela cultiva por Caitlyn. Além disso, Vi ousa menos. Flertar, agora, pode dar tremendamente errado, então ela se segura. Vi se torna a melhor amiga de Caitlyn, que até então, pode muito bem ser hétero (sentiu aí também, sapatão?). Ela quer conquistar seu afeto e sua admiração, mais do que comprovar a mutualidade de um desejo sexual.
Vi muda por Caitlyn. (E sofre, também, mas já falamos disso.)
Mas, no final, ela encontra em Caitlyn a representação do amor e da segurança que procurou desde que sua infância foi destruída.
E, submetendo-se a ela, à cidade dela, ao emprego dela, aos costumes dela, ao status social dela, declara sua lealdade ao trazer uma metáfora que a coloca como um artífice da compulsão pelo dever de Caitlyn. E, como uma sujeira impregnado sob as unhas, Vi será, para sempre, parte da vida dela.
Caitlyn, independência e dominação – “a paz é a justificativa para a violência”
[Imagem: Riot Games, Fortiche Productions e Netflix]
Caitlyn é apresentada para o espectador como uma menina de berço nobre, criada em uma elite política. Isso nos faz percebê-la como uma personagem alienada dentro dos privilégios da riqueza, da intelectualidade e, principalmente, do amor familiar.
Por mais que, na primeira temporada, ela queira romper com a bolha ao explorar Zaun e questionar a corrupção dos agentes Defensores de Piltover, é frequente acharmos graça da ingenuidade de Caitlyn. Por isso, ela, por muitos episódios, deixa que a malícia aflore apenas pelo contato e pela influência de Vi, por quem ela rapidamente se afeiçoa.
A grande mudança da personagem se dá no assassinato de sua mãe por Jinx. O luto e o sentimento de injustiça consomem-na, e ela rapidamente precisa vestir a farda dos novos deveres — a liderança da casa Kiramman, a liderança de uma cidade em meio a um conflito armado, e a liderança da relação com Vi.
Isso porque, o arco de amadurecimento da personagem envolve a ruptura de sua inocência com ódio, agressividade, impulsividade e desejo de vingança, coisas pelas quais Vi, já uma personagem muito mais empática e transformada pela relação que desenvolveu consigo na primeira temporada, não enxerga com bons olhos. E, para não ser questionada, para não ser dominada pelas expectativas da outra, Caitlyn acha mais fácil romper o relacionamento. Abre mão de Vi, para não abrir mão daquilo que ela achava serem seus novos ideais.
Caitlyn passa, nesse momento, por um processo que eu entendo como um evitacionsimo de alguém que ainda não está preparado para compartilhar a vida com o outro. Em um momento de muita dor, ela se vê incapaz em receber ajuda externa para cuidar das feridas. Então, ela afasta talvez a única personagem que de fato se importa de verdade com ela, cega pelo medo do que o amor poderia fazer consigo.
![Gif animado de CaitVi: as personagens estão deitadas lado a lado no chão, e Caitlyn acaricia o rosto de Vi.](https://i0.wp.com/oquartonerd.com.br/wp-content/uploads/2025/02/ee48619529f4ea2d0ee5066d0ba294e4.gif?resize=640%2C266&ssl=1)
[Imagem: Riot Games, Fortiche Productions e Netflix]
Afinal, o amor pela mãe quase a arruinou. É evidente que ela passe a ver outras formas de amor como uma fonte nociva. O amor de Vi, naquele momento, é uma arma que pode machucá-la de duas formas: ou restringir os seus ímpetos, ou fazê-la lamentar mais uma potencial morte brutal em meio à guerra.
E assim, elas se afastam. E Caitlyn se embebe nos prazeres da carne de um outro corpo qualquer, ao passo que alimenta seus desejos violentos se tornando uma general punitivista e ditatorial.
O tempo passa. Por vezes, ela questiona as próprias escolhas. Ainda há, ali, por trás de todas as perdas, uma Caitlyn razoável e humana. E o arco arruinado se resolve quando elas se reencontram e todo aquele sentimento se mostra à tona, enfim.
Caitlyn reluta, mas também muda por Vi.
Ela volta a ser aquela pela qual Vi se apaixonou, coexistindo astúcia e compaixão, mesmo diante das mazelas de personalidade trazidas pelo luto. Caitlyn retorna para a melhor versão de si mesma, moldada ao longo da primeira temporada — uma versão que trabalha e pensa melhor na companhia da outra.
Assim como, em algum momento, questiona como a paz pode ser a justificativa para a violência, Caitlyn entende que a vulnerabilidade, se bem cuidada, não precisa ser uma ruína, e sim um superpoder.
Caitlyn entende que se entregar para o sentimento que sente por Vi não é algo que a enfraquece, e sim a fortalece. Dentro da própria independência, ela assumiu o amor pela outra não como uma necessidade, mas uma escolha.
CaitVi em Arcane: um fim incomum?
![CaitVi em uma cena de afeto: Caitlyn com a cabeça encostada sobre o ombro de Vi.](https://i0.wp.com/oquartonerd.com.br/wp-content/uploads/2025/02/image-7.png?resize=768%2C384&ssl=1)
[Imagem: Riot Games, Fortiche Productions e Netflix]
O desfecho da segunda temporada de Arcane consegue ser tão apaixonante quanto autêntico, especialmente ao explorar como a “morte” de Jinx, ainda que simbólica, liberta Vi de suas lealdades divididas e lhe dá a chance de viver em paz ao lado de Caitlyn. A aparente perda, dentro do contexto narrativo, funciona como um catalisador emocional para a personagem. Essa resolução não só fortalece a história, mas também apresenta uma rara representação positiva de um casal homossexual, permitindo que Vi e Caitlyn escolham viver o amor sem culpa.
Esse desfecho se destaca em um cenário cinematográfico que muitas vezes evita ou termina tragicamente histórias LGBTQIAP+. A relação CaitVi, coroada por um final feliz, não só é construída com profundidade, mas também oferece à comunidade um raro vislumbre de esperança e positividade em histórias de amor na mídia.
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A série, que se destaca por mostrar um relacionamento lésbico de maneira natural e sem carregar o enredo com mensagens forçadas ou excessivamente didáticas sobre representatividade e bandeiras políticas, também evita tropeçar no “final trágico” frequentemente reservado aos romances queer. É uma trama de amor em sua essência, que não busca agradar agendas, mas sim celebrar a conexão genuína entre duas personagens que cresceram e evoluíram juntas.
O ponto alto da temporada foi, sem dúvida, a cena de intimidade entre Caitlyn e Vi. Com uma direção sensível, esse momento foi ao mesmo tempo elegante e eletrizante. Li algumas comparações de espectadores com o clássico “Cry to Me” de Dirty Dancing (1987) — uma química que exalava paixão e vulnerabilidade. Foi uma cena que trouxe de volta a essência do bom entretenimento e sem distrações externas.
A decisão de Arcane de priorizar a emoção de uma história redonda e verdadeira, ao invés de se perder em debates externos, resultou em algo raro no cenário atual: uma narrativa inclusiva que não sente a necessidade de justificar sua existência.
CaitVi é um casal apaixonante porque é bem escrito, porque sua história faz sentido, e porque seu amor é mostrado de forma universal e humana. O resultado é um romance que transcende fronteiras culturais e políticas, embora seja lamentável que censuras em algumas regiões tenham restringido essa expressão artística.
E, mesmo com a censura, é louvável que a Riot Games tenha bancado tal feito, considerando suas raízes de desenvolvimento na China e que o mercado asiático (especialmente na China, Coreia e Japão) é extremamente relevante ao nicho dos e-sports.
O equilíbrio entre narrativa pessoal e universalidade faz com que essa segunda temporada ressoe em diversos níveis: é uma celebração do amor, da liberdade de escolha e da possibilidade de redenção, algo que deixa um impacto duradouro tanto em sua audiência geral quanto na comunidade LGBTQIAP+, que tanto ansiava por representações desse tipo.