Ah, os “bonecos” da Riot Games… Se você joga League of Legends ou Valorant, sabe: cada novo campeão ou agente não é só mais um personagem na tela — é um evento, é ansiedade, é discussão infinita no X (ou no grupo do Discord).
Isso vale tanto para quem joga League of Legends quanto para Valorant, outro fenômeno da Riot, em que cada novo Agente tem potencial para chacoalhar o meta, criar memes instantâneos e bater recordes de hype mundial.
Mas você já parou pra pensar no trabalhão que dá criar um desses bonecos? Não é só juntar habilidades aleatórias e botar um nome legal. É arte, é roteiro, é criatividade, é debate interno e, ainda mais importante: é carinho pela comunidade. O próprio site oficial da Riot Games conta: “A criação de um Campeão novo do League of Legends começa com seu DNA: Design, Narrativa e Arte”.
Em 2022, a Millenium.gg entrevistou o Rioter August, então recém-promovido líder de design das personagens de LoL, e ele explicou o passo a passo da produção de cada um deles. Como inicia o artigo escrito por Zelsh: “Criar um Campeão de League of Legends significa pegar um desenho simples e adicionar um lança-foguetes nele”. Mas, ao passo que a entrevista se desenrola, fica evidente que esse processo não é tão simplista assim.
Com o sucesso de Arcane e a confirmação de pelo menos mais duas séries de animação da Netflix baseadas no universo de Runeterra, fica ainda mais comum o debate e a exaltação pela criatividade e pela complexidade colocada nas narrativas da Riot Games. Por isso, o QN decidiu ir à fundo para tentar explicar como se dá a composição de seus universos.
O passo-a-passo da produção de um novo personagem da Riot Games, segundo o Rioter August
O nascer da ideia

(Imagem: Riot Games / Divulgação)
Tudo começa com uma pergunta: “o que está faltando no nosso universo?”
Pode ser uma função que ninguém preencheu, um tipo de mecânica que ainda não apareceu, ou até um “representa aí, Riot!” vindo forte da comunidade. Nem sempre a motivação é só técnica — pode ser emocional, temática, política (sim, dá pra discutir política em criação de boneco, e tem Rioter que adora esse caos construtivo).
É nesse momento que conceito e oportunidade se misturam. Lembra quando a Senna chegou? Foi pra preencher a saudade de suporte atirador. E quando Lil Nas X foi divulgado como o “novo presidente” do LoLzinho, em collab com o lançamento do K’Sante? Ou quando conversamos sobre a representatividade em personagens como Akshan ou Rell? Tudo isso é um mapa de necessidades que guia a equipe de design no começo, quando tudo é apenas uma faísca.
Junta todo mundo na Riot e bora viajar

(Imagem: Riot Games / Reprodução)
Agora, é mesa cheia.
Designer, roteirista, artista, animador, todo mundo misturado: listam referências, criam os primeiros rabiscos, discutem desde o nível de poder de ataque até a cor da roupa — e, claro, já começam a sonhar com as skins. Tem sempre aquela guerra entre equilibrar inovação e manter o que faz sentido pro universo do jogo. Todo personagem é um quebra-cabeça sem manual.
O mesmo vale para Valorant: cada novo Agente nasce de brainstorms caóticos (do jeito bom!), misturando ideias de gameplay, história da personagem e identidade cultural. O visual, a voz, o país de origem e até a forma de falar de cada agente são debatidos com consultores culturais e influências da comunidade global — como aconteceu com Gekko, que homenageia a cena jovem e latina de Los Angeles no visual e nas falas.
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Se o conceito é aprovado, vão surgindo mockups, descrições de personalidade, sketches (que mais parecem a fanart que você queria, mas feita com o dobro de orçamento). E não duvide: às vezes, a lore muda três vezes antes do boneco sequer ganhar nome oficial.
Prototipando e testando até doer (nos estagiários também)

(Imagem: Riot Games / Divulgação)
Aqui o bicho pega. Literalmente.
A equipe interna recebe uma build tosca pra testar as novas mecânicas — e correm lendas de bugs tão surreais que nunca vão pro ar. É na base da repetição: cria, testa, quebra, corrige. Ajusta habilidade, muda passiva, mexe nas interações até tudo fazer sentido (e não quebrar o servidor, claro).
Essa parte é menos glamour e mais suor: balancear gameplay, garantir que ninguém criou um novo “Yasuo desbalanceado”, dar aquele toque de novidade sem virar meme negativo.
Arte, animação, voz… Enfim, a vida do boneco!

(Imagem: Riot Games / Reprodução)
Você achou que era só escolher uma skin bonita? Achou errado, otário!
O time de arte pega o conceito e transforma em modelo 3D, detalhe de textura, animação fluida, efeitos psicodélicos, referências mitológicas ou tenebrosas (olha o Viego aí, gente). E não para por aí: em Valorant, além dos visuais insanos, cada agente é dublado por artistas de diferentes países, sempre ligados ao pano de fundo daquele personagem. Exemplo é a Fade, cuja concepção envolveu pesquisa profunda em temas de medo, pesadelos e cultura turca — resultando em uma personagem assustadora não só nas skills, mas em toda sua ambientação.
Enquanto isso, a equipe de áudio caça a voz perfeita. Não é à toa que alguns agentes de Valorant têm sotaque marcante ou dublagem de cantores e atores protagônicos da região de inspiração. É narrativa, é diversidade – é botar vida no boneco antes mesmo dos jogadores.
E também falando em áudio, há de se pensar na música tema do personagem! Um artigo produzido pela própria desenvolvedora em 2023 detalha o processo artístico da criação dos sons de instrumentos de sopro do Campeão Milio. É surreal entender como as músicas dão vazão à criatividade de toda a equipe de arte da Riot!
Feedback, ajustes e aquela ansiedade pré-lançamento

(Imagem: Riot Games / Reprodução)
Pensa que acabou? Essa é a hora de testar até a tecla R cair do teclado.
Feedback de jogadores internos, mudanças emergenciais, olhar atento do balanceamento e, em muitos casos, o famoso PBE (ambiente de teste aberto). O personagem passa por afinamentos, tanto no visual quanto no gameplay, já imaginando como vai afetar o meta.
É também nesse ponto que surgem memes, teorias, fãs criando fanarts antes do boneco sequer ir pro live — e, claro, o time de comunicação e marketing preparado pra soltar teaser, vídeo lore e skin nova: tudo junto pra explodir o X.
E falando em ações transmídia, enquanto LoL expande Runeterra com animações como Arcane, em Valorant, o universo se constrói fragmentado: cada cinemática, diálogo, cartão de Agente ou easter-egg do mapa adiciona uma peça a um quebra-cabeça narrativo que a comunidade ama decifrar.
Lançou: agora é stan, é ship, é treta e é amor

(Imagem: Riot Games / Reprodução)
O boneco foi lançado. Agora, é só paz e tranquilidade? Errou feio, errou rude!
O monitoramento é constante: hotfix para corrigir bugs, ajustes de balanceamento — e aquela enxurrada de comentários apaixonados, indignados ou surpresos nas redes sociais. Mas isso faz parte: um “boneco” só é perfeito porque a história dele se constroi entre o time da Riot e a comunidade que vive imersa entre a lore e a jogabilidade.
A Riot Games como uma potência da narrativa digital – e o referencial teórico por trás

(Imagem: Riot Games / Reprodução)
Entender o processo de criação dos “bonecos” da Riot Games é mergulhar no que de mais vanguardista existe na indústria dos games. Não à toa, a Riot se tornou uma das mais renomadas produtoras do planeta — e cada etapa desse pipeline criativo, dos brainstorms iniciais ao monitoramento pós-lançamento, revela o porquê.
Esse êxito criativo tem respaldo teórico e cultural. Dentro dos estudos culturais, pioneiros como Stuart Hall e Henry Jenkins nos lembram que personagens não são só pixels animados: são signos, espelhos e agentes de transformação social. Não é apenas sobre desenhar um campeão com habilidades inéditas ou um agente com personalidade cativante — é sobre criar representatividade, valorizar identidades e pressionar o próprio segmento a expandir horizontes. Como analisei naquele texto sobre o Orgulho Royale em Fortnite, a visibilidade impacta a comunidade e faz estúdios como a Riot repensarem seu casting.
A genialidade da Riot está em compreender, também, a narrativa como força vital. Brenda Laurel (“Computers as Theatre”) e o próprio Jenkins (“Game Design as Narrative Architecture”) demonstram quanto a experiência do jogador é moldada, principalmente, pela imersão no universo do jogo. LoL e Valorant são exemplos vivos, expandindo fronteiras entre gameplay e storytelling, onde design visual, lore e mecânicas se alimentam mutuamente para engajar (e emocionar).
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No coração dessa máquina criativa, estão ainda as teorias de UX, como de Jesse Schell (“The Art of Game Design”) e Kremers (“Level Design for Games”), que fundamentam a obsessão da Riot por testes e refinamentos. Não basta criar arte — é preciso garantir que cada personagem reverbere no psicológico do jogador, que cada habilidade e skin seja não só funcional, mas inesquecível.
E, claro, tudo isso potencializado por uma cultura participativa pulsante, como diz (novamente) Henry Jenkins: aqui, meme, hype e amor de fã são combustíveis valiosíssimos. Na “attention economy” dos tempos digitais, cada lançamento da Riot é um evento global porque mobiliza, aproxima, viraliza. Não é só jogabilidade — é pertencimento, é história contada a muitas mãos.
Toda esse organismo de engrenagens coloca a Riot Games no topo da indústria. Mais do que criar personagens, ela cria cultura, entretenimento e experiência coletiva.
Não é à toa que, seja no MOBA ou no FPS, a Riot cria experiências que vão além da tela. Seja nas inovações mecânicas da Senna, nos duelos de lore entre Yoru e Phoenix, ou nos debates acalorados sobre a ascendência da Reyna, cada novo personagem se torna um evento porque mistura mecânicas inovadoras e histórias profundas, feitos para conversar com uma comunidade global, diversa e realmente interessada.
E é por isso que, entre teorias, pixels e paixão, seguimos esperando — e vibrando — por cada novo “boneco”.