Da astrologia ao MBTI: as “ciências” da autocompreensão

A autocompreensão é, e sempre foi, um tema relevante. Mas, cada vez mais, ela tem se difundido em formas aparentemente exatas de enquadrar pessoas em rótulos de personalidade.

Desde o momento em que nos entendemos como seres conscientes, todas as informações que consumimos e todas as escolhas que tomamos aperfeiçoam as respostas para duas perguntas primordiais: “quem eu sou?” e “para onde vou?”. Principalmente no mundo contemporâneo, já que as pseudociências da autocompreensão ganharam força ao serem introduzidas à terra de ninguém que é a internet.

Sendo assim, um movimento dos internautas passou a consumir cada vez mais testes de personalidade. Isso começou com os horóscopos, que eram moda nos anos 90 e 2000 nas revistas teen, e em seguida dominaram o ciberespaço. Mas, logo, e diante de várias descredibilizações à astrologia, novos estudos de personalidade foram liberados à rede.

E por que é que a gente busca esses rótulos? Será que tudo isso está ligado à necessidade de socialização e pertencimento?

Alguns pesquisadores apontam que esses estudos ditos “científicos” tomam como base um movimento antropológico chamado Efeito Barnum. Entenda com o vídeo:

Apesar de todas as críticas, a maioria das pessoas ainda acredita no reconhecimento feito pela leitura de um mapa astral ou uma extensa página da web que disseca toda sua personalidade com aparente precisão. Eu mesma sou uma superfã!

Por isso, separei algumas das mais relevantes “ciências” da autocompreensão para tratar neste artigo. Tenha em mente que nenhuma delas tem comprovação científica propriamente dita, embora culmine para ajudar as pessoas a se entenderem e perceberem que não estão sozinhas mesmo em suas particularidades.

Mas antes: por que é que essas pseudociências funcionam?…

A capacidade da crença coletiva é o que nos torna humanos

Linha de evolução humana até o Homo sapiens.

(Imagem: IFUSP / Reprodução)

Estudos mostram que há certas diferenciações na entonação produzida por chimpanzés ao emitirem um grito ao ver um predador (“cuidado, uma pantera!” / “cuidado, um falcão!”). Assim, comprova-se que os macacos de um mesmo bando se alertam de maneiras distintas e sabem se devem se precaver dos perigos que estão à espreita nas árvores ou dos predadores aéreos.

No entanto, o humano primitivo aprendeu a elaborar melhor a linguagem de forma a criar palavras, o que possibilitou passar alertas precisos: “seguindo o rio, depois daquela clareira, há uma família de gorilas, tenha cuidado.”

De acordo com Yuval Harari, autor do livro Sapiens (2011), a linguagem da humanidade evoluiu realmente após a invenção do fogo, quando as pessoas se punham ao redor das fogueiras e coexistiam, como uma forma de fofocar. Essa teoria reside no fato de que Homo sapiens deu o salto evolutivo de seus ancestrais pela sua necessidade de cooperar e, portanto, socializar.

No entanto, os dados trazidos pelo cientista mostram que círculos sociais onde todos se conhecem não passam de 150 pessoas. Então, chegou um momento que a fofoca já não tinha mais efeito na lapidação das sociedades e, para que se mantivesse a ordem e que se respeitasse o bem-comum, a humanidade precisou institucionalizar normas sociais.

Confira também:

Pode-se, então, assumir que a busca por sobrevivência, sob ferramental de uma linguagem bem elaborada, nos conduziu a aperfeiçoar as palavras, contar histórias, gerar conexões, buscar explicações e estabelecer relações (de poder) fundamentadas em mitos. Ora, o que são as religiões senão formas de explicar a vida e a morte de forma a controlar aqueles que detêm sua fé?

Acima de tudo, essa capacidade da crença coletiva foi o que permitiu que a humanidade se aprofundasse nas ciências humanas, exatas e políticas – ciências abstratas que não podem ser comprovadas, e que não passam de invenções antropológicas para fazer a manutenção do que se entende como ordem.

E, atrelado às descobertas das grandes civilizações em Psicologia, diversas pseudociências da autocompreensão foram criadas… A começar pela mãe de todas elas — a astrologia.

As principais pseudociências da autocompreensão 

Astrologia

Silhueta de mulher em frente à lua. No céu, os símbolos dos signos do Zodíaco estão desenhados.

(Imagem: João Bidu / Reprodução)

Muitas pessoas confundem os termos “astronomia” e “astrologia”, sendo a primeira uma ciência do campo da Física, e a outra, não. Isso porque as primeiras cartas estelares do Egito, datadas de 4.200 a.C., eram de natureza astronômica, mas não havia uma distinção clara entre astronomia e astrologia naquela época.

De toda forma, a prática de observar o céu em busca de presságios pode ser ainda mais antiga na região de clima imprevisível da Suméria, onde as cheias dos rios Tigre e Eufrates não seguiam um padrão anual como as do Nilo. E, em discussões recentes, uma civilização antiga do Vale do Indo, chamada de Harapa, é apontada como a precursora desse culto às constelações, que posteriormente originou o Zodíaco.

Mas afinal: o que é astrologia? Trata-se de uma pseudociência que alega que os corpos celestes têm influência sobre a personalidade e a vida das pessoas na Terra. Para isso, divide-se a esfera cósmica em 12 partes iguais de 30º de longitude, cada uma chamada de “signo” — regido pelo conjunto de estrelas (constelações) ali presentes.

A esfera cósmica dividida em 12, apresentando os signos do Zodíaco, uma das principais pseudociências da autocompreensão.

Com base nos significados que cada um desses signos obtiveram, bem como na sua posição no céu, eles se subdividem em quatro categorias (elementos), da seguinte forma: signos do fogo — Áries, Leão e Sagitário —, signos da terra — Touro, Virgem e Capricórnio —, signos do ar — Gêmeos, Libra e Aquário — e signos da água — Câncer, Escorpião e Peixes. 

Supondo-se uma polaridade de complementar, atrair ou reprimir entre esses signos, os astrólogos passaram, então, a estudar as sobreposições deles entre eles próprios ou entre outros corpos celestes, como os planetas do nosso sistema solar. Ou seja, passou-se a cruzar padrões de comportamento e fomentar teorias de personalidade entre as pessoas com base no mês do ano, no dia e na hora que nasceram. A essa teoria, dá-se o nome de mapa astral.

Hoje, os mapas astrais mostram muito mais do que traços de identidade entre os indivíduos (geralmente apontados pelo signo solar e pelo signo ascendente), mas comentam, também, sobre seu temperamento, como lidam com a vida afetiva, por onde buscam intelecto e evolução pessoal, como reagem a desafios e de onde nutrem sua força interior. Além disso, as pessoas frequentemente fazem leituras combinatórias entre dois ou mais mapas, de forma a prever a compatibilidade de relacionamentos.

Como uma forma de acessibilizar esses ritos de autocompreensão para quem não tem dinheiro e nem crença o suficiente para ir até um astrólogo, existem muitos sites que fazem mapas astrais gratuitos. Porém, um dos mais famosos, e acredito que o melhor, é o Personare.

Além disso, fica aqui uma dica de playlist para ouvir quando você for dissecar sua personalidade na teoria do Zodíaco: o álbum Mapa Astral, da banda Hotelo em colaboração com diversos artistas brasileiros.

Zodíaco Chinês

Ilustrações dos doze signos do Zodíaco Chinês – outra forma de autocompreensão.

(Imagem: Segredos do Mundo / Reprodução)

As técnicas astrológicas chinesas estão ligadas ao calendário chinês e ao seu ciclo de doze anos, que se popularizou na cultura ocidental através do horóscopo chinês. Esse é um dos calendários lunissolares mais antigos e precisos do mundo, considerando tanto o Sol quanto a Lua em seus cálculos.

A grosso modo, cada ano é regido por um desses doze signos, e diante disso pode-se traçar padrões de personalidade e comportamento, além de previsões pessoais. 

Roda dividida em 12, contendo os ano de cada um dos signos do Horóscopo Chinês.

A combinação binária Yin-Yang amplia o ciclo dos cinco elementos orientais (Metal, Fogo, Terra, Madeira e Água) para um ciclo de dez. Os anos pares são classificados como Yang (+), enquanto os anos ímpares são Yin (-). Como o ciclo zodiacal animal de 12 é divisível por dois, cada signo ocorre apenas em Yin ou Yang: o Dragão é sempre Yang, enquanto a Serpente é sempre Yin, e assim por diante.

Essa combinação forma um ciclo de 60 anos, começando com o Rato de Madeira e terminando com o Porco da Água. O ciclo atual teve início no ano de 1984. Dessa forma, há uma relação entre o signo e o elemento. Por exemplo, considerando o Dragão Yang (nascido em 2000), seu elemento associado é o Metal ativo. Já a Serpente (nascida em 2001), sendo um signo de caráter Yin, tem o Metal como elemento passivo.

A especialista em astrologia chinesa, Adriana Di Lima, explica melhor sobre esse estudo de autocompreensão nesta matéria do Personare.

Eneagrama

Três triângulos sobrepostos circunscritos em um círculo, o símbolo da teoria do Eneagrama.

(Imagem: The Art of Living Center / Reprodução)

O Eneagrama das Personalidades, ou simplesmente Eneagrama, é uma tipologia que define nove tipos de personalidade, representados por pontos em uma figura geométrica. Existem diferentes escolas de pensamento sobre o Eneagrama, com interpretações variadas. De toda forma, ele pode ser utilizado na compreensão de qualquer processo contínuo, uma vez que, por sua lógica, o fim é sempre o início de um novo ciclo.

Sua presença no mundo moderno é atribuída a Gurdjieff, um filósofo armênio que o utilizou como modelo de processos naturais. Mais tarde, Oscar Ichazo, um filósofo boliviano, associou as nove pontas do símbolo aos nove tributos divinos e estabeleceu a relação entre o Eneagrama e os tipos de personalidade, desenvolvendo um mapa da psique humana para elevar o nível de consciência.

O símbolo do Eneagrama com cada um dos nove Tipos explicitados nos vértices.

(Imagem: Segredos do Mundo / Reprodução)

O Eneagrama funciona sob três eixos: instintivo, que parte para ação — Tipo 8 (extrovertido), 9 (ambivalente) e 1 (introvertido) —; emocional, que preza pelos sentidos — Tipo 2 (extrovertido), 3 (ambivalente) e 4 (introvertido) —; e mental, centrado em pensamentos — Tipo 5 (extrovertido), 6 (ambivalente) e 7 (introvertido). 

Em contextos empresariais, o Eneagrama tende a ser utilizado para prover insights sobre dinâmicas interpessoais em locais laborais. Já em uma camada espiritual, ele é apresentado como um caminho para estados superiores de autocompreensão e autodesenvolvimento. 

Embora se existam testes para se descobrir o tipo ideal do Eneagrama, o conceito original elaborado por Ichazo consiste na própria pessoa elencar qual é o seu, a partir da leitura e entendimento de todos os tipos. Isso, segundo o estudioso, por si só já era uma jornada pessoal de conhecimento e discernimento próprios.

Por isso, os testes on-lines e gratuitos, no geral, oferecem uma porcentagem de compatibilidade do indivíduo aos seus três principais tipos. A partir daí, é o indivíduo que lerá sobre as particularidades deles e escolherá em qual melhor se enquadra.

Um site que pode ser um ótimo ponto de partida para a sua autocompreensão através do Eneagrama é este aqui.

No mais, em 2019, o trio Sleeping At Last lançou o capítulo do seu álbum Atlas: Year TwoAtlas: Enneagram —, no qual cada uma das nove músicas descreve uma retórica de um dos tipos. De fato, ouvir as músicas depois de absorver um pouco mais sobre as particularidades de seu tipo é uma experiência!
Além disso, algum tempo depois, o cantor e compositor da banda, Ryan O’Neal, publicou uma série de podcasts na qual ele se senta com Chris Heuertz, especialista nessa tipologia de personalidade e autor do livro The Sacred Enneagram (2017), e disseca tipo a tipo do Eneagrama. Vale muito a pena tomar um tempo para ouvir o seu!

Cinco Grandes Fatores de Personalidade (O.C.E.A.N.)

Fotografia submarina da luz solar iluminando a água do oceano.

(Imagem: Ryan Millar / Reprodução)

O modelo dos Cinco Grandes Fatores de Personalidade teve seu início com Ernest Tupes e Raymond Christal em 1961, mas só ganhou destaque nas décadas de 1980 e 1990. L.M. Digman e Goldberg expandiram o modelo, identificando os cinco domínios amplos que resumem a maioria dos traços de personalidade conhecidos.

Diversos pesquisadores independentes identificaram os mesmos fatores, embora com variações nos nomes e definições. Por isso, esse modelo fornece um contexto conceitual abrangente para a pesquisa e teorias em personalidade, sendo, portanto, o único “teste” de autocompreensão cientificamente comprovado!

O modelo aborda os eixos “O.C.E.A.N.”: abertura para a experiência (“Openness to experience”), conscienciosidade (“Conscientiousness”), extroversão (“Extraversion”); amabilidade (“Agreeableness”) e neuroticismo ou instabilidade emocional (“Neuroticism”).

Defensores afirmam que esses traços atuam como características distintivas que moldam as respostas de uma pessoa aos estímulos ao longo do tempo, de forma duradoura. Eles deixam sua marca no comportamento, atitudes, desempenho acadêmico, ideologia política, ganhos ao longo da vida e até mesmo na saúde e longevidade das pessoas. 

Devido à assertividade científica do modelo, este é um dos principais testes de autocompreensão adotados pelo corporativismo, principalmente em processos seletivos, para entender se os candidatos se adequam à cultura da empresa.

De toda forma, seja com fins profissionais ou não, é fácil fazer o teste através deste site! 

MBTI: as 16 personalidades

Representações gráficas das 16 personalidades previstas pelo MBTI – um reconhecido teste de autocompreensão da atualidade.

(Imagem: MBTI / Reprodução

Durante a Segunda Guerra Mundial, as professoras Isabel Briggs Myers e sua mãe, Katharine Briggs, criaram o teste de personalidade MBTI. Inspirado na teoria de Carl Jung descrita no livro Tipos Psicológicos (1921), esse instrumento psicológico tinha dois grandes objetivos.

O primeiro era auxiliar mulheres que trabalhavam em indústrias militares a encontrarem funções em que pudessem ser mais eficientes. O segundo era promover a paz mundial, ao enfatizar a importância das diferenças individuais e ajudar as pessoas a compreendê-las. Assim, surgiu o MBTI (que, em tradução literal, significa “Indicador do Tipo Myers-Briggs”), um teste de personalidade que perdura até hoje e visa proporcionar insights de autocompreensão às pessoas.

O teste de personalidade MBTI é fácil de aplicar, baseando-se na análise das respostas de um questionário. Cada pergunta é respondida em uma escala de cinco níveis que varia desde “concordo totalmente” até “discordo totalmente”. Os resultados fornecem uma combinação de quatro letras, dentre oito possíveis, que definem uma classificação lógica para cada tipo de personalidade.

Essas letras são provenientes de quatro dimensões dicotômicas que compõem a personalidade das pessoas. A primeira dimensão é a “Fonte de Energia”, que pode ser Extrovertida (E) ou Introvertida (I). A segunda dimensão é o “Modo de Perceber o Mundo”, com as opções Sensorial (S) ou Intuitivo (N). A terceira dimensão é a “Maneira de Avaliação, Julgamento, Organização e Decisão”, que pode ser Racionalista (T) ou Sentimental (F). Por fim, temos o “Estilo de Vida”, com a escolha entre Julgador (J) ou Perceptivo (P).

Ao final do teste, uma pessoa receberá um conjunto de quatro letras que indicará sua personalidade. Por exemplo, a combinação INTP representa alguém mais introvertido, intuitivo, racionalista e perceptivo. Essas combinações resultam em um total de 16 personalidades diferentes. No entanto, o mais importante não são apenas as letras ou a classificação, mas sim a capacidade de interpretar a própria personalidade e utilizá-la de maneira eficaz ao interagir com outras pessoas, aplicando a inteligência emocional.

Para fazer o MBTI é fácil: basta acessar o site oficial, responder o questionário e se deleitar com a autocompreensão gerada pelo reconhecimento de seu tipo!

Autocompreensão em camadas

Fotografia de psicóloga aplicando teste de autocompreensão em paciente.

(Imagem: Cottonbro Studios, Pexels / Reprodução)

Apesar de ser muito interessante o processo de “descobrir mais sobre si próprio”, é importante destacar que quase nenhuma desses modelos possuem credibilidade científica pelos estudiosos da Psicologia. Inclusive, algumas delas se valem de crenças superiores e metafísicas.

A jornada para a autocompreensão e entendimento da própria personalidade, seus defeitos, qualidades, atrações e repulsas, vai muito além do que as estrelas podem contar ou um pseudocientista pode afirmar. Lembre-se que se atentar ao próprio corpo e a mente é a melhor forma de fazer a manutenção de suas relações intra e interpessoais, afinal, ninguém o conhece melhor do que si próprio! (Mas diferentes tipos de terapia ajudam, também!)

De toda forma, que essas tipologias de autocompreensão são divertidas, não dá pra negar!

Leia mais da autora:

Mas e aí, o que achou do artigo?! Você já conhecia todos esses tipos de pseudociências de autocompreensão?

Pessoalmente falando, o Eneagrama é meu queridinho… Mas e você? Em qual acredita mais e por quê? Compartilhe com a gente nos comentários!

Achou algum erro na matéria ? Nos avise clicando AQUI.

Iana Maciel
Bacharelanda de Comunicação Social pela ECA/USP. Filha de Zeus, tributo do Distrito 1 e artilheira de Quadribol da Grifinória. Escondo um passado de jogadora de RPG por trás da cara de brava e da prática de esportes, mas quem me conhece sabe que eu adoro marcar de jogar um LoLzinho nas horas vagas.