“A escolha dos poetas”: narrativas de amor entre mulheres

Todo dia é dia de visibilizar nossos gays. Mas dia 19 de agosto foi especialmente dia de visibilizar o amor romântico entre mulheres. Por isso, reuni quatro dos meus preferidos exemplos contemporâneos da ficção lésbica das telas e dos livros.

Cada uma dessas histórias é única em sua forma de representar o amor entre mulheres, com diferenças perceptíveis na linguagem, mas também trazendo desfechos únicos (e, grande parte deles, inesperados). Representam, em suma, uma fuga do clichê gay que cada vez mais se vê dissolvido na cultura pop — e eu vou explicar o motivo.

(No entanto, caso você não queira spoilers e se baste da minha indicação para conhecer, vou deixar aqui as formas de acesso:)

  • Girls Like Girls (2023), de Hayley Kiyoko, pode ser adquirido pela Amazon através deste link.
  • É assim que se perde a guerra do tempo (2021), de Amal El-Mohtar e Max Gladstone, pode ser adquirido pela Amazon através deste link.
  • Retrato de uma jovem em chamas (2019) está disponível nos streamings Prime Video, NOW, Sky Play, Oi, Vivo Play, GloboPlay e Google Play.
  • Azul é a cor mais quente (2013) está disponível nos streamings Claro TV+ e Apple TV+.

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Como um amor adolescente

Capa do livro "Girls Like Girls" (2023), de Hayley Kiyoko, publicado pela editora Penguin.

(Imagem: Them / Reprodução)

Em julho de 2015, a internet quebrava com o hit sem precedentes que foi o lançamento da música e do videoclipe que introduziram Hayley Kiyoko aos charts da música pop. No entanto, Girls Like Girls não foi apenas foi o revolucionário single debut da cantora que em breve foi nomeada “Lesbian Jesus” por sua crescente base de fãs… 

De lá pra cá, muita coisa na vida da cantora que, à época, só tinha 24 anos, mudou. E — claro — não apenas ela foi de artista cover que fazia uns bicos em Hollywood para um dos mais fortes nomes da música LGBT no mundo, mas ela finalmente pôde aceitar a si própria e a sua sexualidade, principalmente no que tange ao contexto profissional. E é por isso que, em 2023, ela decidiu publicar uma versão estendida da história de amor das personagens Coley e Sonya.

Nos agradecimentos do livro homônimo à música, Hayley conta que saiu do armário para sua co-compositora dentro de um táxi, ao que a letrista perguntou se havia algo que ela sempre quis escrever sobre, mas nunca o fez. Ela então tomou coragem e respondeu: “quero contar uma história de amor que me represente… Aliás, eu sou gay”. Ainda bem, porque foi essa descarga de coragem que propiciou coragem para milhões de jovens que foram impactados pela obra também poderem abraçar essa verdade sobre si próprias — eu inclusa.

De toda forma, o livro Girls Like Girls (2023) é um conto de amor adolescente entre uma menina que acabou de se mudar para uma cidadezinha rural no interior do Oregon com uma outra, local, que vem de uma família tradicional e bastante rígida. Hayley Kiyoko o escreveu como forma de dar um arco completo às personagens do clipe, representando com sensibilidade o advento do primeiro amor que toda lésbica já viveu em sua própria cabeça durante o Ensino Médio por uma amiga, ao passo que reprimia os verdadeiros sentimentos e impulsos para zelar pela sua confusa verdade.

A história é narrada na perspectiva de Coley, que passa pela dura experiência de ter acabado de perder a mãe, e por isso se vê tendo que se entender com o pai — um completo estranho que a abandonou na infância e que agora está tentando recuperar o tempo perdido. Ela já sabe que é diferente das outras meninas, mas nunca chegou a explorar esse lado sobre si. Na realidade, ela nem imagina que pode ser amada. Isso, é claro, até conhecer… ela.

Enquanto isso, alguns flashes da perspectiva de Sonya são introduzidos ao leitor na forma de postagens que ela faz em seu blog pessoal — algumas delas, abertas para seus amigos comentarem, outras, particulares (e é aí que ela posta os poemas que escreve sobre os sentimentos desenvolvidos por Coley que ela luta tanto para entender).

O final é surpreendente até mesmo para quem já viu o videoclipe e sabe que elas acabam ficando juntas. Opa, perdão pelo spoiler! Mas Girls Like Girls é isso mesmo: um conto de fadas em vida real. Tudo dá certo para as duas. Finalmente um final feliz para os gays.

Comentando com uma amiga sobre o que ela havia achado do livro, recebi o feedback de que fica aquela vontade de ler um pouquinho mais depois que acaba, de saber como vai ser a vida das duas. É inevitável: a história açucarada soma o amor entre duas mulheres ao contexto high school, mas não deixa de ser muito fiel na representação da tensão sexual e dos anseios de uma paixão não dita.

Mas eu respondi que não importava — a moral é clara: toda mulher sáfica precisa passar pelo evento canônico da primeira namorada (com todas as dificuldades envolvidas), e ninguém deve intervir nisso. A autoaceitação de Sonya era só o primeiro episódio do drama, mas certamente haveriam de vir muitos outros muitos. E isso, meus amores, é papo para uma continuação.

Mesmo assim, fica a notícia em primeira mão de quem foi no show da Hayley Kiyoko neste abril e acabou descobrindo tudo porque a mulher não soube controlar a empolgação: publicar o livro era apenas o primeiro passo. De acordo com a cantora, a ideia é transformar a história em HQ e (por que não?) talvez até em longa-metragem. 

Eu e você contra o mundo

Capa do livro "É assim que se perde a guerra do tempo" (2021), de Amal El-Mohtar e Max Gladstone, publicado pela editora Suma.

(Imagem: Amazon / Reprodução)

Do meio pro final da pandemia, eu comprei o livro É Assim Que Se Perde a Guerra do Tempo (2021) logo que ele saiu em português, em uma belíssima edição de capa dura. Apesar de sua linguagem um pouco complexa, ele me deixou bastante pensativa e emocionada.

À época, eu mergulhava em um dos relacionamentos que mais moldaram a minha forma de enxergar o amor, em tudo que ele tocava e amplificava, e também tudo que ele podia, potencialmente, abalar. Uma experiência necessária, mas também dolorosa, que muito tinha a ver com o meu auto desenvolvimento afetivo.

Pensando em retrospecto, eu atribuí a poética de ter lido este livro no começo de tudo, uma vez que ele retratava a relação entre duas mulheres em um contexto enemies-to-lovers — que terminava, sem dúvida, em uma união quase que invencível centrada no amor —, mas talvez ele tenha um significado muito maior sobre o fim dela. Afinal, a moral da história trata da reconstrução após a experiência do amor.

Vou explicar: É Assim Que Se Perde a Guerra do Tempo é um romance homossexual feminino de ficção científica escrito por Amal El-Mohtar e Max Gladstone — cada um escreve os capítulos intercalados na perspectiva de uma das protagonistas, Blue e Red, que são peças antagônicas de uma guerra interminável, traçada entre os milhões de filamentos interdimensionais.

Nessa batalha que se desenrola pelo tempo e pelos universos, a Agência e o Jardim lutam para alterar o passado e o futuro, e elas, elementos centrais dessas duas causas, começam a perceber que são causa e consequência, ordem e caos, resposta e pergunta para todos os eventos que transcendem esses microepisódios do multiverso.

Enquanto essa bagunça espaçotemporal se desenrola, Blue e Red se encontram através de cartas inicialmente provocativas, trocadas por entre as linhas inimigas. No entanto, a curiosidade que leva a sua comunicação abre uma porta para questionamento ao status quo que rege seus lados e também sobre a própria guerra, que não parece ter um motivo próprio para acontecer.

Essa temática de relacionamento proibido em meio a um contexto de conflito lembra uma versão sáfica e não-linear da tragédia de Romeu e Julieta, onde duas almas apaixonadas se veem divididas por suas circunstâncias adversas e pela rivalidade de suas facções. E é claro que isso só aumenta a tensão sexual, o desejo, o afeto e, para a surpresa de ambas, o amor.

Além disso, a temática lésbica é mero detalhe da obra, uma vez que o conflito do seu relacionamento está na ambientação da guerra infinita, e não na natureza não-heteronormativa que orienta seus corações. Esse é um exemplo de um enredo que trata o amor entre mulheres com naturalidade, embora seja uma ferramenta para nichar a obra — por conta da representatividade, é claro que faz mais sucesso no público homossexual feminino.

A excêntrica narrativa de Amar e Max entrelaça uma variedade de emoções, permitindo que nos afeiçoemos a Blue, com sua racionalidade e precisão, e a Red, o lado mais caótico e fervoroso de uma guerreira. À medida que a história se desenrola, suas personalidades se encontram e se influenciam mutuamente, ocasionando uma gradual transformação.

Blue se torna mais esperançosa e vibrante, enquanto Red se torna mais emotiva e intensa. Essa evolução mútua traz uma dinâmica cativante à trama, destacando a complexidade e o poder transformador do amor em meio a uma guerra.

Assim, e olhando pelas lentes da vida real, entendemos que o livro é uma alegoria sobre a habilidade da transformação pessoal através do outro, e também sobre a possibilidade do recomeço quando tudo parece perdido. Trata da quebra de ciclos, e também da renovação deles.

E que melhor representação dessa percepção tão óbvia, mas também tão revolucionária, do amor, do que em uma relação entre duas mulheres?

Faça-se chover

Cena de "Retrato de uma Jovem em Chamas" (2019), filme de temática de amor LGBT. Na imagem, Héloïse (esquerda) sorri para Marianne (direita).

(Imagem: Lilies Films / Reprodução)

Recentemente, e por recomendação de uma lésbica muito querida que passou pela minha vida, me sentei para assistir Retrato de uma Jovem em Chamas (2019) sem nem saber que era um filme sáfico. Resta dizer que eu não esperava nada dele, mas acabei chorando de soluçar, igual fez uma das protagonistas, com a catártica cena final ao som da orquestra tocando o capítulo Verão, presente na obra das estações de Vivaldi.

A história tem como ponto de partida uma memória de uma jovem pintora da Bretanha do século XVIII, na qual ela havia sido contratada para pintar um retrato de uma mulher. Àquela época, como não haviam ainda fotografias, a nobreza arranjava casamentos dessa forma: enviando um retrato da mulher a ser pretendida para a apreciação do futuro marido, que então decidia, baseado, entre outras coisas, na beleza mostrada pela obra, se queria seguir com a união.

Uma vez recepcionada à casa na qual residia a jovem Héloïse (Adèle Haenel), porém, Marianne (Noémie Merlant) descobriu que ela já era a segunda artista a ser contratada para tal desafio. O primeiro pintor nunca havia conseguido finalizar o retrato porque Héloïse se recusara a posar — afinal, ela não queria ser conivente a um casamento arranjado!

Sendo assim, Marianne recebe a intruncada tarefa de se fingir de dama de companhia de Héloïse para poder observá-la durante o dia e, à noite, pintá-la com base nos traços que eu consegue recordar. É claro que Héloïse se revela muito mais do que uma mimada jovem que queria ir contra o movimento patriarcal tão presente na cultura daquele século, e é sutil como Marianne vai desenvolvendo afeto e curiosidade pela relação que cria com ela.

Preciso, ainda, ressaltar dois pontos importantes desse longa dirigido por Céline Sciamma: o contexto absolutamente feminino ao qual a narrativa se cerca, e o caráter quase universal da história (quase porque, é claro, pregar a universalidade numa trama obviamente LGBT seria um mito — para não dizer ofensivo).

O filme destaca-se pela ausência quase total de homens — que, quando aparecem, são meros figurantes. A história poderia ser resumida em quatro personagens: Marianne, Héloïse, a mãe de Héloïse (Valeria Golino) e Sophie (Luàna Bajrami), a criada.

No entanto, toda a atmosfera, os diálogos, os contextos temporais: tudo que o filme retrata traz clichês de delicadeza e lentidão que são tipicamente associados à feminilidade. Mas, talvez por estar centrado na direção de uma mulher, mesmo tendo o cerne em um estereótipo, essa associação não incomoda — e, na verdade, é bem original.

Outro aspecto feminino constante por todo o filme é a presença da água: na tinta, na chegada de Marianne à casa por barco, nos passeios das duas pela orla da praia, no desejo de Héloïse de aprender a nadar, nas diversas representações de choro, e até mesmo na evocação da orquestra vivaldiana, cuja parte retratada representa a chegada da chuva — uma alegoria ao sexo entre mulheres, se você me perguntar.

Inclusive, questiono-me se a cena à qual Marianne se inspira para pintar o quadro que eterniza a memória daquele amor, e também inspira o nome do longa — na qual Héloïse tem parte do vestido engolfado pelas chamas de uma fogueira —, é justamente mais uma forma sutil e cheia de poesia de preconizar o fim das duas pelo contexto heteronormativo que regia a sociedade da época. O fogo, afinal, é um elemento masculino.

No mais, à medida em que as protagonistas se aproximam, a tensão principal se torna Marianne precisar terminar o retrato de Héloïse, sabendo que, feito isso, sua mão será entregue a um pretendente. O relacionamento lésbico delas não é explorado explicitamente como um problema.

Em vez disso, a ameaça iminente de fato é o casamento de Héloïse, que é inevitável. Embora a impossibilidade de uma união homoafetiva naquele período seja, sim, um obstáculo subjacente, esse tema não é o foco central do filme. Ou seja, nenhuma das duas manifesta explicitamente desconforto, confusão ou culpa devido à natureza sáfica da sua relação. A única tristeza é a certeza de que ela teria fim.

Isso, inclusive, me lembra de um aspecto muito especial da trama: a citação do mito de Orfeu indicando renúncia em lugar de proibição. Ora, é claro que elas não podem terminar juntas. Estamos falando da França do século XVIII, afinal das contas. No entanto, para ambas, o fato de terem se amado parece ser mais importante do que o amor propriamente dito. 

De fato, Retrato de Uma Jovem em Chamas é, na realidade, um dos mais belos e tocantes retratos da experiência da homossexualidade feminina pincelados para uma ficção cinematográfica. Eu não poderia recomendar de outra forma, senão dizendo: assista e se veja, também, tocada.

Eu sigo rios

Cena de "Azul é a Cor Mais Quente" (2013), filme de temática de amor LGBT. Na imagem, Adéle (esquerda) e Emma (direita) sorriem uma para a outra.

(Imagem: Vértigo Films / Reprodução)

Por último, e não menos importante, eu não podia deixar de citar Azul É A Cor Mais Quente (2013), filme francês que abriu portas para tratarmos do lesbianismo na sua mais nua verdade — literalmente.

Se Girls Like Girls aposta na ótica poética e quase fantasiosa dos desdobramentos de um primeiro amor, o longa francês foca no teor carnal e lascivo dele. E mais: explora a trajetória irregular dos altos e baixos de um relacionamento intenso em todos os aspectos, guiando o espectador a abraçar, com uma pontada de tristeza, a premissa de que “a vida continua”.

Apesar de ser baseado em um graphic novel de 160 páginas escrito por Julie Maroh, a produção de longametragem dirigida por Abdellatif Kechiche tomou completamente outros rumos, já que foca o enredo tanto na descoberta da sexualidade de Adèle (Adèle Exarchopoulos), quanto na imaturidade de uma primeira paixão turbulenta e cheia de autossabotagens.

Mas tratemos do começo: a narrativa francesa apresenta a protagonista, de apenas 16 anos, cuja vida muda ao que ela conhece uma estudante de Belas Artes misteriosa de cabelos azuis, Emma (Léa Seydoux). O nome original da produção, em uma tradução literal, seria “A Vida de Adèle”, e é justamente isso que vemos ao longo das três horas de filme.

Kechiche assumiu o desafio de expressar todas essas nuances na tela, especialmente o amor incondicional, que é abstrato e difícil de traduzir em palavras. É nesse contexto que cenas e planos focados nos olhos, bocas, toques e pele são essenciais para dar vivacidade a esse encantamento, pois, quando estamos apaixonados, são nesses detalhes que nossas percepções se atêm.

A junção dos corpos também é uma demonstração desse amor, e eu arrisco ressaltar que devemos deixar de lado as questões em torno da cena de sexo da qual Seydoux declarou se sentir explorada ao encenar. Polêmicas à parte, a contribuição dessa sequência para a história é justificada e necessária.

Afinal, o filme se propõe a retratar de forma quase documental o crescimento da personagem de Exarchopoulos, e é justo que o sexo seja filmado de maneira natural, sem tabus. Mesmo que seja uma atuação, há uma busca pela verdade da carne na representação que, apesar de bastante explícita, não chega nem perto do que se mostra nos filmes pornôs. 

De fato, as três horas de filme focam nos desdobramentos do nascimento do envolvimento amoroso das personagens, mas também no desaparecimento dele. Com foco particular em Adèle, testemunhamos o seu agridoce amadurecimento — desde em como ela se identifica sexualmente, até como ela aprende a dar e, principalmente, receber amor.

Nesse sentido, acredito que a icônica cena que imortalizou I Follow Rivers, música interpretada por Lykke Li, como um hino lésbico, é muito além de um culto à auto descoberta e à liberdade sexual que uma garota passa ao se perceber queer. É sobre viver e crescer — e todas as outras coisas que compõem o recheio disso.

E se, depois de tudo que vemos Adèle protagonizar, acreditamos que ela vai chegar àquela fatídica exposição e reencontrar Emma como o seu verdadeiro amor, estamos vendo muitos filmes da Disney. O desfecho e o sentimento inevitável de solidão e de perda que sentimos em compadecimento à personagem é tudo que precisamos para desligar a televisão e retornar à vida real.

Porque Azul É a Cor Mais Quente é exatamente isso: um lindo recorte (fictício) da vida real. Afinal, a “vida de Adèle” começa assim que a tela escurece e nós passamos por aqueles dois segundos de contemplação, no qual nos perguntamos o que é que aconteceu com ela depois dessa mistura doce e amarga que só os descaminhos da vida e um coração partido podem proporcionar.

Por fim: a poesia que é o nosso amor

Cena de "Retrato de uma jovem em chamas" (2019), na qual duas artistas aprendizes olham para o quadro homônimo pintado pela personagem Marianne.

(Imagem: Lilies Films / Reprodução)

“— Talvez, se ele se vira, é porque ele faz uma escolha.

— Que escolha?

— Ele escolhe a memória de Eurídice. É por isso que ele se vira. Ele não fez a escolha do amante, ele fez a escolha do poeta.”

(Retrato de Uma Jovem em Chamas, 2019)

Finalizo este artigo trazendo um trecho de um diálogo que Marianne, Héloïse e Sophie têm sobre a tragédia grega de Orfeu, no qual debatem sobre o que pode ter conduzido o herói a se virar para olhar sua amada Eurídice, ainda dentro dos domínios do deus da morte, e portanto romper o feitiço que a traria de volta à vida.

Sendo assim, as protagonistas e a ama chegam a um consenso: não se trata de um desejo desesperado de amor, de um instinto causado pela intensidade do sentimento, mas de uma escolha de eternizá-lo na lembrança. “A escolha do poeta.”

Os quatro exemplos que vimos aqui tratam de narrativas lindas, e também confusas, sobre os deleites e os limites do amor homossexual, ainda que nem sempre com os finais esperados (ou desejados). 

Emma e Adèle viveram uma emocionante e intensa história de amor que, embora os anos afastadas só a tenham reforçado para Adèle, Emma, por outro lado, conseguiu encontrar beleza no fim e eternizou o romance através da sua arte. Também fez a escolha do poeta.

Red e Blue, por outro lado, e dentro do universo sci-fi de sua trama, se reencontraram no começo, e tiveram a chance de reconstruir tudo — fazendo direito, dessa vez. Optaram por dar razão à parte sua que é amante.

Já no que diz respeito à Héloïse e Marianne — elas escolhem viver a dor da ausência de sua forma mais sublime, em vez de aceitar um amor real e, deste modo, inevitavelmente propenso à falha. Escolheram rememorar, como duas poetas.

Por fim, a trama mamão com açúcar de Sonya e Coley traz choros e aplausos não apenas pelo delicado e verossímil exemplo de um final feliz, mas em como ele acende uma chama de esperança a mulheres sáficas de todas as idades pelo seu simples existir. Ele nos faz crer no amor.

De toda forma, seja pela obra do amante ou do poeta, uma coisa é certa: o sentimento romântico entre duas mulheres é um fenômeno a ser aclamado e, cada vez mais, pincelado em sua diversidade de formas, cores e desfechos.

Nós, mulheres que gostam de mulheres, esperamos cada vez mais sermos surpreendidas com a existência e a resistência de representações desse ritual tão bonito e tão natural que é o de amar e ser amada por figuras semelhantes à nossa imagem e nosso papel social.

Que, cada vez mais, vivamos o movimento de vanguarda que é se apaixonar por outras mulheres.

Feliz Semana da Representatividade Lésbica! <3

Iana Maciel
Bacharelanda de Comunicação Social pela ECA/USP. Filha de Zeus, tributo do Distrito 1 e artilheira de Quadribol da Grifinória. Escondo um passado de jogadora de RPG por trás da cara de brava e da prática de esportes, mas quem me conhece sabe que eu adoro marcar de jogar um LoLzinho nas horas vagas.