Após dois anos de pandemia, é inegável que esse momento irá repercutir por muito tempo, afinal, todos os grandes momentos da história foram contados e recontados ao longo dos anos, principalmente, por artistas. É através da arte que se é possível entender o que as pessoas sentiam naquele momento, e surpreendentemente, Kimi, a mais nova produção de Steven Soderbergh, toca exatamente nesse ponto. É assustadoramente identificável e o diretor transparece em sua personagem principal todos os medos, anseios e consequências que a pandemia trouxe.
Tal personagem, no entanto, não dá nome ao filme. Angela Childs (Zoë Kravitz) é uma funcionária da empresa dona da inteligência virtual Kimi, muito parecida com a Alexa e Siri que conhecemos – com um twist mais invasivo, por assim dizer. Kimi é desenvolvida para que seus erros sejam reparados o mais rápido possível. Assim, o trabalho de Angela é justamente esse: enquanto ouve as gravações de comandos interpretados errados pela assistente, Angela corrige o código para consertar o erro. No entanto, quando ouve a gravação de um possível assassinato, Angela precisa superar sua agorafobia para levar essa gravação as autoridades.
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Toda essa história é usada de maneira cuidadosa e paciente, deixando a audiência juntar as peças do quebra-cabeça que Kimi é, seja a obra acontecendo no andar de cima de Angela, sua dor de dente constante ou até seu vizinho curioso. Todas essas sub-histórias acontecem em paralelo aquela conhecida por todos nós: ainda em uma pandemia, Angela constrói sua vida inteira em seu apartamento-academia-escritório-restaurante, de modo que não haja necessidade para sair de lá. E foi assim com basicamente todo mundo, ficando 24h em casa e sua vida social se limitando apenas a tecnologia que Angela tão metodicamente precisa.
Assim, graças ao roteiro de David Koepp, a personagem é colocada sob o véu que é seu medo de sair de casa – metaforicamente de onde é seguro, onde o vírus não entra, onde você fez sua “fortaleza” – e agora depende da tecnologia para que seu convívio social continue existindo. Aqui, Koepp constrói Angela espelhando a nossa sociedade e esse novo convívio social. Sair na rua não é o mesmo que antes, e quando Angela consegue esse feito, vencendo seu medo para conseguir justiça por uma mulher que ela não sabe quem é, é a dualidade das pessoas que ela encontra no seu caminho que tanto intensifica como diminui esse preceito de perigo criado por ela – e claro, por nós também.
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Inteligentemente, o diretor Steven não hesita em intensificar todos esses sentimentos de Angela com câmeras na mão e em graus incômodos. O diretor consegue realçar o gênero thriller do longa e a nova relação que estamos tendo com o “novo normal”. Mas apesar da protagonista ser um conjunto de anseios e questões de toda uma população, Zoë Kravitz não se deixa levar pela possibilidade de sua personagem ser apenas um meio condutor da informação. Na pele de Angela, a atriz consegue chegar na audiência, para que ela sinta o desespero e aflição da personagem. Mas não se engane: Angela não é uma mulher indefesa. Ela demonstra-se forte em sua relação amorosa com seu vizinho e até firme com seu colega de trabalho.
Mesmo com essa junção de talentos – um roteiro cheio de camadas, direção provocativa e atuação que sustenta – Kimi não quer exigir absurdos de sua audiência. Afinal, o longa é para retratar a grande maioria e seu sentimento após viver uma pandemia. Precisa ressoar com todos porque é um sentimento compartilhado. Ninguém saiu ileso dos últimos dois anos, e honestamente? Nem deveria. Kimi, assim como toda boa obra sobre seu respectivo tempo, traz isso para discussão e identificação.
Kimi já está disponível na HBO Max.
Crítica
Título: Kimi
Direção: Steven Soderbergh
Roteiro: David Koepp
Elenco: Zoë Kravitz, Rita Wilson, India de Beaufort, Emily Kuroda, Byron Bowers, Alex Dobrenko, Jaime Camil, Jacob Vargas, Derek DelGaudio, Erika Christensen, Devin Ratray
Nota: 4/5
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