Estamos em 2020, e a Geração Z já é para quem Hollywood precisa se dirigir agora. São os jovens que estão na rua em protestos, organizam movimentos e levantam pautas que precisam ser faladas. Então eles não aceitam mais os roteiros mal aprofundados, as histórias sem representatividade ou simplesmente uma produção descuidada que quer porque quer tratar de assuntos importantes e igualmente possíveis de gatilho – como 13 Reasons Why já fez. É por isso que quando uma série igual a Grand Army estreia, ela precisa ser notada. E precisa mesmo, porque dessa vez eles acertaram.
Grand Army se passa em Nova York após uma bomba explodir na cidade e a escola dos cinco personagens principais entrar em lockdown. Isso faz com que os alunos permanecerem nas escadas da instalação até ser seguro sair. É daquele imenso lance de escadas que os arcos da série começam a se desenvolver.
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Joey Del Marco (Odessa A’zion) é a popular da escola mas também politicamente engajada e ativamente se envolve em pautas sobre o corpo feminino. Dominique “Dom” Pierre (Odley Jean) é essa jovem que carrega o mundo em suas costas, tentando balancear sua vida na escola, seu sonho de ir para a faculdade e ajudar a sua família financeiramente. Siddhartha “Sid” Pakam (Amir Bageria) faz parte do time de natação da escola e esconde sua identificação sexual ao mesmo tempo que se sente aprisionado e julgado por ser norte-americano de ascendência indiana na cidade que acabou de sofrer um ataque por um homem asiático e marrom.
Jayson Jackson (Maliq Johnson) que junto com seu amigo, Owen (Jaden Jordan), pegam a carteira de Dom nas escadas como uma brincadeira, mas acabam perdendo ela e isso gera consequências graves para o futuro deles. E finalmente Leila Kwan Zimmer (Amalia Yoo), que é a garota que sofre bullying por não ser chinesa “de verdade”, já que nasceu no país mas foi adotada por caucasianos.
A antagonista perfeita foi desperdiçada
Para desenvolver tantas histórias ao mesmo tempo, o roteiro precisava ter uma trabalho redobrado para dar a mesma importância e atenção para todos os personagens, mas infelizmente isso não aconteceu. É nítido o carinho que Katie Cappiello, criadora da série, tem por Joey pela personagem sofrer um estupro realizado pelos seus melhores amigos. Isso se dá pela personagem vir diretamente da peça teatral de Cappiello de 2013, Slut: The Play, que foca na cultura do estupro.
No entanto, ao tomar essa decisão, Cappiello esquece da possível antagonista da série. Suas motivações não parecem serem suficientes, porque, afinal, seu desenvolvimento não foi. Leila, após entrar na lista de “Bomb Pussy” da escola (uma lista que ranqueava as melhores vaginas), ao invés de se revoltar, se sentiu lisonjeada. Assim, acaba se envolvendo com um dos estupradores de Joey, George Wright (Anthony Ippolito). Porém, tudo começa a desmoronar diante de seus olhos e, ao mesmo tempo que ela sofre uma crise de identidade, Leila começa a desenvolver sinais sociopatas e narcisistas, que não são muito bem explicados ao ponto de entendermos seu lado da história.
Mas no que a série peca em se distanciar de Leila, ela se esforça nos demais personagens. Existem monólogos incríveis cheios de sinceridade e tormentos de uma geração que precisa agir como adultos ainda jovens. Assim, personagens como Dom e Sid permitem ser vulneráveis diante de uma sociedade que os fez criar escudos como proteção. Aliás, como Dom segue dizendo, “vulnerabilidade é força”, e isso é com certeza um dos grandes ensinamentos que Grand Army traz e aplica em si próprio também.
A sororidade é uma utopia ainda não alcançada
Mantendo episódios vulneráveis e plausíveis com o que de fato poderia ocorrer com alunos que estariam passando por aquelas situações, Grand Army não hesita em tratar de pautas para além da bolha escolar. Diferentemente de 13 Reasons Why, a série busca veracidade em suas pautas. Ela trouxe vozes capazes de contar a história através de suas próprias lentes e experiências. Isso faz dela muito mais relacionável e congruente com pessoas que realmente existem.
Após Joey reportar seu caso de estupro, é perceptível o machismo ainda enraizado em nossa sociedade. Suas amigas – que também tem alguma relação com os estupradores, seja de amizade, sexual e outros – são as primeiras a questionar a veracidade da afirmação de Joey. Por uma lente que coloca em evidência a cultura de estupro que ainda existe, a série procura mostrar como a nova geração quer compreender o movimento anti cultura do estupro (como o movimento #MeToo), mas que ainda não a entende completamente.
Isso quer dizer que sororidade não é apenas apoiar a mulher do seu lado (no caso Joey) quando ela decide provar que, de fato, o corpo feminino é hipersexualizado indo para a escola sem sutiã. É também apoiá-la quando ela acusa seus amigos de estupro, tendo das mais diversas evidências.
Então, quando a série retrata reações reais de situações semelhantes, ela se prova capaz de lidar com a pauta de maneira responsável e em ótima hora, em um mundo onde a Geração Z acabou de sair de um desastre que foi 13 Reasons Why. Porque não é apenas trazer assuntos considerados tabus para a roda de conversa, mas sim trazê-los de forma prudente.
O retrato do hoje
Mas acima de todos os créditos que são possíveis dar, desde o roteiro com suas falas impactantes, os atores de peso que desdobram seus personagens em tantas camadas ou até mesmo o momento histórico de agora, nada supera a atualidade de Grand Army.
Ela não aborda temas possíveis de acontecer ou, se levados ao extremo, podem acontecer. Ela aborda temas que acontecem. O racismo sitêmico, a crise de identidade, a suposta “nebulosidade” que existe no consentimento, a desigualdade social, a relação de poder e muito mais, fazem Grand Army se destacam dentre as outras séries de mesmo gênero.
É sobre ver na série alunos gritando “Eu não consigo respirar”. Ou um podcast no fone falando sobre os possíveis desdobramentos desse “novo coronavirus” que acabou de surgir. Isso simplesmente te fazem perceber que aquilo tudo podia muito bem estar acontecendo agora. Do lado de fora da sua casa.
Grand Army já está disponível na Netflix. A série estreou dia 16 de Outubro.
Título: Grand Army
Temporadas: 1
Elenco: Odessa A’zion, Odley Jean, Amir Bageria, Maliq Johnson e Amalia Yoo.
Nota: 4/5
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