Crítica | Bom Dia, Verônica é a representação verossímil da polícia brasileira e violência doméstica

Bom Dia, Verônica é a mais nova produção brasileira da Netflix. Lançada no dia 1º de outubro, o elenco principal conta com Taína Müller, interpretando Verônica, Camila Morgado como Janete e Eduardo Moscovis no papel de Brandão, além de outros veteranos da televisão brasileira, eles trazem vida (ou morte) à série.

A série é uma adaptação do livro que carrega o mesmo nome, escrita por Raphael Montes e baseada no romance policial da criminóloga Ilana Casoy, possui 8 episódios de 40 minutos cada e a faixa etária é para maior de 18 anos.

A série possui gatilhos para pessoas que passaram por relacionamento abusivo e violência doméstica.

A trama é baseada na história de Verônica, uma escrivã do setor de homicídios da polícia, a qual mergulha em duas investigações repletas de suspense e ação para ajudar as vítimas da violência e da injustiça. Para isso, ela irá bater de frente com o delegado Carvana (Antônio Grassi) e com a delegada Anita (Elisa Volpatto)

Bom dia, Veronica
Fonte: Divulgação

Um dos casos que mais chama sua atenção é o de Tânia (Aline Borges), mulher enganada por um golpista que inicia o ataque por meio da internet. O outro é o de Janete, esposa de Brandão, um serial killer inteligente e perigoso que, por detrás da fachada de marido carinhoso e profissional exemplar, revela uma mente cruel, capaz de aprisionar seus alvos tal como pássaros em uma gaiola. 

O livro foi inicialmente lançado pela editora Darkside em 2016, bateu recorde de vendas e despertou a curiosidade dos leitores por ter sido distribuído com o pseudônimo Andrea Killmore, no lugar do nome dos escritores. O thriller ganhou nova edição e já está disponível para compra.

Bom Dia, Verônica te deixa arrepiado, vidrado, chocado e de coração acelerado desde a primeira cena, e consegue entregar o mesmo sentimento até a última. Sentimos todas as emoções em plano, desde representações simples, como Verônica com sua filha, até um tiroteio. A princípio somos capazes de perceber características de uma minissérie ou novela da Globo, mas o enredo que parece ser claro torna-se delicado com arcos extremamente difíceis e detalhados.

Ao começarmos a assistir, somos colocados em uma posição onde vemos de perto e entramos na mente de um psicopata, uma mulher que sofre violência doméstica e alguém que está inconformado com a justiça, ao mesmo tempo em que sofrem por fazerem parte de um sistema corrupto, malicioso e machista.

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A série carrega dois mistérios: Quem são eles? E quem é o responsável pelos ataques à mulheres na internet? Um deles é claramente resolvido e colocado nas mãos da justiça brasileira, onde a partir daí, começamos a ver a corrupção no sistema policial. O outro é posicionado para quem assiste assim como é para Verônica durante a trama “Está acima de nós e nós obedecemos.”

Apesar de já podermos ver a corrupção da polícia brasileira desde o primeiro episódio, tudo foi reforçado e de certa forma esclarecido por volta da metade dos acontecimentos, onde é falado sobre a justiça machista apesar de provas concretas, como o caso real de Mariana Ferrer, e o abuso de poder policial para proteger o alto escalão, onde consideram heróis as pessoas que dizem “bandido bom é bandido morto.”

O enredo da trama é muito bem estruturado com um ar mórbido e foi fechado com chave de ouro ao vermos atuações impecáveis das personagens, como Eduardo Moscovis, Brandão e Camila Morgado, Janete, que nos fazem compreender e sentir toda a tensão da cena apenas pelos olhares de canto desconfiados e o arregalar de olhos assustados, a química deles é impressionante. Taína, Verônica, não fica para trás, apenas pelo semblante e linguagem corporal, somos capazes de acompanhar todo o arco da personagem, o qual não foi nada simplório. No final, por esses e outros meios, podemos ver o peso que Verônica carrega ao tentar levar a justiça nas costas.

“Nos deram espelhos vimos um mundo doente”

Fonte: Divulgação

Temos dois relacionamentos paralelos, o de Brandão e Janete, onde a mulher sofre todas as fases de violência doméstica, desde o abuso psicológico, que se mostra mais poderoso, até o físico. Janete pisa em ovos com o marido, calcula cada palavra e movimento quando está em sua frente e vive com medo em sua própria casa. Esse mesmo relacionamento pode ser confundido e tornando a mulher a culpada, ao vermos que o marido supre a casa e por vezes se demonstra carinhoso, situações em que pessoas de fora olham e pensam “ele é bom para ela, ela que não o obedece”, ao mesmo tempo que a mantém dentro de casa, não deixa a mesma ter um celular, usa palavras para diminui-la e a obriga fazer parte de seus planos psicopatas.

Para não haver esse tipo de confusão e desentendimento, temos o relacionamento entre Verônica e seu marido Paulo (César Mello), em que Paulo entende os medos da esposa e apoia suas decisões, mesmo que por vezes não as entenda. É um relacionamento saudável, sem cobranças e paciente, em que ambos se entendem mesmo machucados, apesar de acompanharmos a parte dele em que Verônica está totalmente focada nos casos e deixa de “remar junto” com Paulo.

A trilha sonora também fala com o espectador, onde por meio dos versos, vemos tudo o que assombra o povo brasileiro, principalmente o da grande São Paulo. Vale destacar a última cena em que ouvimos a música Índios escrita por Renato Russo, canção que fala sobre o abuso de poder e roubo, do início da colonização brasileira, pelos portugueses.

“Quem me dera ao menos uma vez que o mais simples fosse visto como o mais importante”

Em suma, Verônica é quem move os principais acontecimentos da série, ela é a voz que precisamos nas delegacias, na política e em qualquer posição de poder, a pessoa que faz a diferença em um mundo onde os homens justificam e as mulheres praticam o olho por olho.

Se você ou alguém que você conhece sofre violência doméstica e abuso, acesse o site para saber como proceder e encontrar recursos: Wanna Talk About It?


Crítica: BomDia, Verônica

Direção: José Henrique Fonseca

Elenco: Taína Müller, Camila Morgado, Eduardo Moscovis, Antônio Grassi, Elisa Volpatto

Nota: 5/5

Isabela Caroline
Tradutora e redatora d' O Quarto Nerd. Viciada em música, clipes, séries, teorias, entrevistas e tudo que seja um escape da realidade. Currently listening to any pop songs.