Olá, sejam bem-vindos a mais um mês de QN Independente! Assim como nos meses anteriores, o Quarto Nerd está sempre buscando novo talentos nacionais, que usam a arte para se expressarem. E então, neste mês de outubro, tivemos a incrível oportunidade de entrevistar uma companhia de teatro totalmente independente, A Companhia dos Ratos.
Sendo assim, veja a entrevista completa aqui embaixo, onde falamos um pouco sobre a peça que está atualmente em cartaz (Mercado Branco) e, como a Companhia surgiu.
QN: Vamos começar falando um pouco sobre a Companhia. Como todos vocês se conheceram e decidiram criar a Cia dos Ratos?
CIA: A Companhia dos Ratos surgiu em 2017 no Programa Vocacional do CEU Inácio Monteiro, orientado por Fabiano Lodi – diretor do espetáculo Mercado Branco. O ator e produtor cultural Felipe Pinheiro, foi o primeiro a ter contato com Fabiano. Os dois, juntamente com a Letícia Viturianna, criaram a cena A Subida Para Baixo. No ano seguinte, Felipe voltou ao Teatro Cássia Eller com o Leonardo Viturianna para dar continuidade às orientações com o Fabiano. Sendo as orientações livres para quem tivesse interesse, várias pessoas passaram pelo teatro e fizeram experimentações com os três, nesse momento, o esboço de Mercado Branco começou a ser traçado. E então, a vontade de criticar os efeitos nocivos dos produtos lícitos era um consenso entre todos.
Também era nítido, desde o princípio, o interesse na linguagem gestual, cultivada pelos ensinamentos de Biomecânica e Método Suzuki trazidos por Fabiano. A partir desses anseios, Felipe e Leonardo criaram a cena do Tabagismo. Os três decidiram continuar tratando dessa temática nas aulas e não demorou até Ana Leones e Rick Salima se juntarem ao grupo. Juntos, os cinco montaram a primeira versão do Mercado Branco e apresentaram algumas vezes no CEU Inácio Monteiro. Em 2019, Leonardo Viturianna deixou A Companhia dos Ratos e, por isso foi necessário reformular o espetáculo. No meio desse processo, Guilherme Paes se juntou como operador de som e, posteriormente, Joyce Tavares como produtora e operadora de luz. Atualmente, A Companhia dos Ratos é formada por Ana Leones, Felipe Pinheiro, Guilherme Paes, Joyce Tavares e Rick Salima.
QN: Ainda sobre a formação da Companhia, estamos em um país que vem cada vez mais negligenciando a cultura, como vocês se enxergam nesse cenário? Qual o maior propósito diante dessa falha no incentivo a cultura?
CIA: No nosso país, a classe artística sempre recebeu um olhar torto da sociedade, por não entenderem o nosso fazer como uma profissão. Isso só piorou com a chegada do novo governante, que faz questão de compartilhar desinformação publicamente e de cortar verba do setor cultural. Foi um choque. Gerou medo em nós e artistas parceiros, só que a arte sempre foi uma forma de expor e criticar – o que naturalmente ameaça ele e os dele. E justamente agora precisamos resistir para continuar apontando.
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QN: Vocês estão há algum tempo com a peça Mercado Branco em cartaz, como surgiu a necessidade de fazer essa crítica ao mercado de consumo?
CIA: Quando a gente para, para pensar, na maioria das vezes, a desculpa que dão para explicar o porquê algo é proibido, é porque faz mal. Para nós, essa justificativa nunca foi plausível. Há uma infinidade de coisas lícitas que fazem mal, mas que são permitidas por gerarem lucro, como tabaco, álcool, açúcar e outros mercados brancos que mencionamos no espetáculo. Como artistas, a nossa ideia é fazer as pessoas olharem o outro lado dessa moeda. É trazer uma crítica que transcende o nosso país e atinge o mundo, em forma de espetáculo, em forma de entretenimento.
QN: Quais os maiores desafios ao fazer um espetáculo gestual?
CIA: Fazer o público entender a mensagem. Durante a construção, nós apresentamos cenas do espetáculo para estudantes do CEU Inácio Monteiro. E então, esse processo foi fundamental para entendemos se público estava captando o Mercado Branco, inclusive, após uma dessas apresentações, nós reformulamos completamente a cena do Restaurante. Essa cena foi criada pensando em tratar sobre o consumo de carne, mas o público nos disse que, na verdade a cena tratava sobre precarização do trabalho.
QN: Como foi a transição durante a pandemia, de receber o público pessoalmente e passar a apresentar o espetáculo totalmente online?
CIA: Difícil. Nós não conseguíamos imaginar teatro online. O teatro é um ambiente, uma experiência. Sendo assim, começamos a pesquisar e assistir produções de outros coletivos para processar o novo formato. Nas diárias de gravação, entendemos que se tratava de outra linguagem. Não é só um vídeo registro, é outro Mercado Branco, uma versão que não esperávamos ver. Apesar de interessante, sentimos muita saudade do palco, do calor e de ver a reação do público enquanto tudo acontece.
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QN: Vocês usaram o nome Mercado Branco como uma forma de combater expressões racistas utilizadas há tantos anos, além disso, como vocês procuram usar a Companhia para dar atenção à questões sociais que consideram importantes?
CIA: Principalmente por meio das nossas produções artísticas, como A Subida Para Baixo, cena criada por Felipe e Fabiano juntamente com Letícia Viturianna, abordava sobre desigualdade social, sobre a vontade do oprimido se tornar o opressor. Além disso, Mercado Branco tem como tema central a cultural do consumo, mas carrega outras questões sociais pertinentes, como armamento civil e precarização do trabalho.
QN: E por último, como uma Companhia independente, quais os maiores desafios na hora de se lançar no mercado? Tem alguma dica para todos que estão começando e sonham em seguir nessa carreira?
CIA: É importante entender que não é fácil, conhecemos artistas e coletivos que desenvolvem trabalho excepcionais, carregado de qualidade técnica e artística, mas não se mantêm unicamente com arte. E sendo jovem e periférico ainda tem a pressão dos familiares que só entende como trabalho o que gera lucro. Ser artista requer muita dedicação. Outra coisa – não necessariamente uma dica – mas que achamos interessante mencionar, é que por mais difícil, sempre terá alguém para te ajudar. A ideia de coletivo não se limita exclusivamente às pessoas que constituem um coletivo cultural, abrange toda a comunidade que nos ajuda a realizar esse trabalho.
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