De Lov3 (2022-) a RuPaul’s Drag Race (2009-), nunca existiu tanta visibilidade LGBTQIA+ na mídia quanto agora. No entanto, isso nem sempre foi a regra. Seja por proibição governamental, medo da recepção do público ou simplesmente preconceito, histórias LGBTQIA+ não foram, a princípio, introduzidas ao público explicitamente – e é aí que entram as metáforas.
Apesar que de em um primeiro momento tais obras ficarem no campo do imaginário e da ficção, pessoas LGBTQIA+ começaram a se identificar com os personagens e suas vivências, entendendo que os desdobramentos dessas narrativas faziam sentido também no que chamamos de “vida real”.
Durante muito tempo na cultura de massa, as dores, experiências e aflições de pessoas sub-representadas puderam, enfim, ganhar espaço na mídia, mesmo que “mascaradas” por trás de histórias fictícias. E assim surgem as seguintes metáforas: X-Men e Matrix. Essas duas franquias mundiais foram pioneiras em quebrar barreiras contando histórias sobre aqueles que se sentiam deslocados da sociedade.
X-Men
Comparado à outras HQs convencionais, os X-Men sempre foram relativamente mais progressistas em suas edições. “A Metáfora do Mutante”, como ficou conhecida na comunicadade, apresenta um grupo de personagens que são oprimidos pela classe dominante (os humanos) apenas por serem mutantes.
Além da comunidade LGBTQIA+ se sentir representada por esse sentimento comum de opressão, a franquia foi uma verdadeira raridade na época pela forma como consistentemente se concentrou em retratar todas as formas de intolerância como profundamente erradas.
Nos anos 80, a metáfora começou a se tornar mais explícita, com referências a homossexualidade aparecendo com “mais destaque” – ainda que sob uma alegoria. Em X-Men: God Loves Man Kills (1982), o personagem chamado Stryker usou uma campanha muito parecida com o “Lavender Scare” – termo popularizado por David K. Johnson em seu livro de mesmo nome publicado em 2004. Essa política criada discriminava funcionários homossexuais do governo americano nos anos 50, que gerou perseguição e pânico em massa. A campanha de Stryker declarava que os mutantes estavam sempre se escondendo entre as pessoas “decentes e comuns” do mundo, representando uma ameaça invisível.
Uma das várias metáforas nos quadrinhos dos X-Men aconteceu nos anos 90. O Vírus Legado apareceu como analogia à AIDS durante uma época onde a doença ela a principal causa de morte de homens homoafetivos. Muitos mutantes morreram pelo vírus que, igual ao HIV, era visto como uma doença que afetava apenas pessoas de um determinado grupo.
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Homem de Gelo (Robert) é um dos personagens com a mais interessante revelação de orientação sexual, em All New X-Men #40, escrito por Brian Bendis, quando jean Grey lê seus pensamentos e mostra eles para Bobby. Sem metáforas aqui.
Em 1992, não existia herói queer e Estrela Polar foi o primeiro X-Men a se assumir homossexual na edição #106 do Alpha Flight. 20 anos depois, em 2012, o personagem se casou com seu namorado Kyle, se tornando também o primeiro casamento homossexual da Marvel Comics.
Matrix
“Você não pode explicar, mas sente. Você sentiu isso durante toda a sua vida. Há algo que anda mal no mundo. Você não sabe o que é, mas está aí, como uma lasca em sua mente, deixando você louco. É essa sensação que te trouxe até mim. Você sabe do que estou falando?”
O discurso de Morpheus para Neo no primeiro Matrix (1999) foi um dos primeiros indicadores para os fãs e críticos de que a história criada pelas irmãs Wachowski seria uma metáfora sobre a experiência transgênero.
Mais de 20 anos depois, com o lançamento de Matrix: Resurrections (2021), as discussões sobre como as diretoras manteriam a alegoria cresceram. Ainda sem confirmação, a teoria dos fãs durou pouco mais de 20 anos, quando a confirmação veio da própria Lilly Wachowski, que compartilhou suas intenções para filme na época em um vídeo para o Netflix Film Club em 2020.
A diretora esclareceu que, tal como vinha sendo debatido em vários fóruns, ensaios acadêmicos e até mesmo em ensaios de relevância viral, como o publicado pela jornalista Emily VanDerWerff, o filme é sobre a experiência trans. “É sobre esse desejo de transformação. Essa era a intenção original, mas o mundo não estava totalmente preparado”, disse.
Confira também:
Durante a estreia do primeiro filme, ambas as diretoras ainda não tinham entrado em contato com suas transgeneridade. Talvez, subconscientemente a proximidade de ambas com o tema pode explicar diversas referências da versão original, como a personagem Switch – em inglês, “switch” significa “troca”. Originalmente, Switch foi criada para ser interpretada por dois atores, mas a ideia não foi aprovada pela Warner. A personagem, no final, manteve essa essência através de sua roupa, que era a única branca . entre as incontáveis pretas.
O lançamento do quarto filme da franquia conseguiu manter a mesma alegoria em um cenário de mais liberdade criativa tanto por parte do estúdio como do conhecimento das diretoras sob sua própria identidade de gênero. Um simples detalhe escondido no simbolismo do filme (como a pílula vermelha e azul) mostra como as Wachowskis mantiveram suas ideias mesmo com interferências do estúdio, optando por representar essa diferença da personagem pela cor branca entre a imensidão de roupas pretas.
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A Switch, interpretada por Belinda McClory, foi é a personificação mais clara da alegoria trans de Matrix. Com cabelos e roupas claras, a personagem acaba destacando a ideia do filme a respeito de sua autoimagem.
Referência em Hollywood, as irmãs Wachowski trabalharam juntas pela última vez na série da Netflix Sense8 (2015-2018), que conta com um elenco e história diversos e representativos, mostrando o talento da dupla com total liberdade de expressão.
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