Temos que falar sobre o Rage

Hoje você prega; amanhã você é a vítima. Pode ter certeza – essa é a regra do rage nos jogos online.

A verdade é que nos dias atuais, é quase impossível nunca ter sofrido assédio por ter “jogado mal”. Especialmente em modos competitivos de rank baixo, é comum que um dos integrantes do time tenha alguma síndrome de jogador profissional e queira, não apenas questionar as decisões de seus colegas, mas também abaixar o nível da conversa e partir para a ofensa verbal quando eles fazem algo que prejudique o objetivo da equipe, como colocar em risco uma teamfight ou tomar um pickoff.

A cultura do “se não sabe brincar, não desce pro play” reina nessa terra quase sem lei que são os games. Seja por “ser ruim” ou estar com a internet oscilando, todo mundo que joga já sabe: alguém do seu time não vai perdoar. E ai de você se decidir revidar – aí vem xingamento para a mãe, vem comentários machistas, racistas e LGBTfóbicos… Ah, e não esqueça dos capacitistas e gordofóbicos! 

O rage é um problema sério, e ele está prejudicando a jogabilidade e o divertimento de centenas de milhares de jogadores por dia. É por isso que compilamos uma série de informações que vão traçar um panorama de por que ele tem crescido tanto e, principalmente, sugerir formas de evitá-lo, prezando por aumentar suas chances de vencer uma partida.

O assédio nos jogos MOBA, FPS e battle royale são os mais frequentes

Quem acompanha competições nacionais e internacionais de grandes jogos como LoL, VALORANT e CS:GO sabe que a cultura do e-sports é fomentada na base do gritão na cara e da provocação. Até mesmo os jogadores profissionais, nas arenas, gritam uns pros outros quando fazem um clutch ou solam o oponente.

Da mesma forma, às vezes, toma rage até quem é do time oposto e não está fazendo nada de errado senão, talvez… perder? Quem nunca escreveu /all no chat do LoL e chamou de “lixo” que atire a primeira pedra, não é mesmo?!

Uma pesquisa divulgada pela ONG Anti-Defamation League (ADL) em março de 2022, “Hate and Harassment in Online Games”, traz dados atualizados do segundo semestre de 2021 sobre as experiências sociais negativas nos jogos online multiplayer dentre os habitantes dos Estados Unidos. Entre outros números alarmantes, a publicação revelou que 5 entre 6 adultos (83%), de idades de 18 a 45 anos, foram vítimas de algum tipo de assédio nesse período. Isso representa uma estimativa de cerca de 80 milhões, do total de 97 milhões, de gamers estadunidenses – quase o número total de pessoas que habitam a Alemanha, por exemplo!

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O estudo contou 2.206 participantes, com uma amostragem significativa de indivíduos que se identificam como LGBTQ+, judeus, muçulmanos, pretos ou pardos, e latinos. Isso porque é de conhecimento geral que a toxicidade dos games transita muito entre esses temas discriminatórios, já que o anonimato por trás de um avatar e de um nickname permite que os players se comportem como supremacistas brancos sem sofrer as consequências. No entanto, o apontamento trazido foi justamente que essa cultura começou a mudar, dado que cada vez mais as pessoas exigem das distribuidoras e da indústria dos jogos um posicionamento de enfrentamento diante dessa cultura sistêmica.

É um processo lento, é claro, por isso, 37% dos entrevistados pertencentes a grupos minoritários declararam sempre esconder sua identidade, ao lado de 37% que escondem sua identidade apenas às vezes.

(Divulgação / ADL) 

Quem dá rage gosta de discriminar, mas o rage propriamente dito não se distingue por estilo de jogo! Não há fórmula que atraia mais ou menos jogadores tóxicos e/ou trolls: games MOBA (multiplayer online battle arena) e FPS (first-person shooter) estão no topo, mas a crescente dos battle royales também marca presença na lista das comunidades que mais destilam ódio gratuito na internet, corrompendo um ambiente que deveria prezar pela diversão.

Segundo os dados levantados, os jogos que têm os ambientes mais hostis são VALORANT (42%), Call of Duty (42%), DOTA 2 (37%), PUBG (35%), Fortnite (34%) e League of Legends (34%). As porcentagens sugerem a quantidade de jogadores adolescentes, de 13 a 17 anos, que se tornaram mais cuidadosos, optando por apenas jogar acompanhados de amigos, e/ou simplesmente deixaram de acessar o jogo, em resposta ao assédio sofrido.

O “vigiar e punir” da Riot Games lidera as ações contra condutas antidesportivas

Imagem: Xbox Wire

O ano é 2022 e começam-se a perceber os resultados da pandemia da Covid-19 na comunidade de gamers. Tudo está relacionado: as pessoas estavam mais estressadas, as pessoas ficavam mais em casa, as pessoas jogavam mais… Consequentemente, havia mais jogadores frustrados online e prontos para descontar sua raiva uns nos outros. A Riot Games, uma das maiores distribuidoras de e-sports do mundo, decide tomar responsabilidade e parte para a ação.

Mas antes, devemos explicar: de acordo com uma nota publicada, só em 2021, foram recebidas, em média, 240 milhões de denúncias mensais somando-se todos os jogos multijogador da empresa – League of Legends, VALORANT, Teamfight Tactics, Legends of Runeterra, entre outros –, o que totalizou em pouco menos de três bilhões no ano. Dessa forma, apontou a Riot, é impossível que os funcionários da empresa analisem cada um dos tickets individualmente, de forma que decidiu-se implementar novos sistemas para frear a toxicidade de crescimento alarmante.

E endurecer o punitivismo é a chave…?! Sim e não! Mais dados levados a público pela desenvolvedora atestam que apenas 5% das pessoas denunciadas têm comportamento tóxico consistente e recorrente, sendo estes os jogadores que são penalizados com maior rigor. Além disso, menos de 10% das contas que receberam alguma penalidade em 2021 voltaram a ser punidas no mesmo ano, o que, por A+B, comprova que as punições ajudam a polir o comportamento dos jogadores.

Porém, a Riot também entende que bons atos devem ser recompensados. É por isso que, desde 2018, vigora no LoL o Sistema de Honra, que dá bonificações a jogadores que mantiveram altos níveis de condutas positivas. Esse sistema é atualizado regularmente, e o seu atual formato conta com a recompensa de uma skin – o Malzahar Três Honras – para os jogadores que atingirem o Honra 5.

A última atualização do jogo, sobretudo, conta com um recurso de reportar players que forem ofensivos in-game. Assim que um jogador, seja ele companheiro de equipe ou adversário, tiver algum “comportamento perturbador”, o usuário poderá reportá-lo. Ela funciona como um adendo à ferramenta de “mutar” individualmente um colega. (Entenda na imagem abaixo.)

(Divulgação / Riot Games)

A Riot prometeu, ainda, estar trabalhando em um algoritmo de detecção de texto ao vivo para identificar esses momentos de rage e caráter ofensivo durante as partidas, sendo que, uma vez implementada ao jogo, ela silenciará jogadores que causarem problemas. Há quem questione a ação e a trate como forma de censura. Porém, grande parte dos jogadores ativos entendem o benefício de estarem protegidos do rage de forma automática, e veem a promessa como um estímulo maior a continuar jogando.

Como um vírus, atoxicidade se espalha… e é multiplataforma

Não é só dos jogos que vive um gamer. Grande parte das pessoas que se autointitulam “gamers” também frequentam outros ambientes da internet. Essas comunidades se fomentam de forma pacífica, é claro, muitas vezes para jogar junto, para acompanhar algum time competitivo, para ser fã de algum pro-player ou streamer, ou mesmo para aprender a fazer gameplays iradas e aprimorar os conhecimentos técnicos sobre algum jogo.

Porém, sempre que tantos indivíduos de interesses em comum se juntam, eles estão sujeitos a entrar em algum desacordo e a abusarem do anonimato da internet para falarem o que bem quiserem, sem pensar nas consequências.

(Divulgação / Twitch)

Mas, por vezes, os próprios usuários reagem contra a hostilidade nos ambientes virtuais. Isso aconteceu na Twitch, plataforma número um em streaming de jogos. Em 2020, três brasileiros – Pedro Fracassi, Ana Maria “namariajj” Jacomini e Diego “anom” Augusto – criaram o Raid Shield Bot, recurso automático que age ao detectar uma raid tóxica. Importante aqui explicar: raids, na Twitch, são “invasões” que qualquer influenciador pode fazer, levando seus espectadores ao canal de outro e, dessa forma, ajudando-o a expandir sua comunidade. Já que nem sempre quem vem assistir a transmissão pela raid está bem intencionado, esse bot toma ação e suspende usuários que tiverem condutas ofensivas. Para habilitar o Raid Shield Bot, basta preencher o formulário.

Mas, em julho de 2022, a própria Twitch se responsabilizou pela contenção da toxicidade de sua plataforma, levando ao ar uma ferramenta que permite que os criadores de conteúdo criem listas de usuários banidos e/ou flaggeados e compartilhem-na com até trinta outros streamers. Dessa forma, os criadores se ajudam, deixando a comunidade cada vez mais segura e livre de hostilidade gratuita.

Para criar uma lista de usuários bloqueados e compartilhar as informações com amigos, basta acessar o site oficial da nova ferramenta logado na conta Twitch!

Uma camada adiante: entenda o doxxing

Sofrer assédio sexual ou discriminação por causa de um mau dia jogando já é bem chato… Mas a verdade é que o rage não para por aí. Muitas vezes, ele excede os limites do próprio jogo, especialmente quando o jogador pertence a uma comunidade – no Discord, na Twitch, no Twitter, entre outras plataformas. É aí que mora o perigo.

“Doxxing” – ou “doxing” – é uma abreviação para “dropping dox”, isto é, “revelação de documentos”, um jargão que nasceu da comunidade hacker, e hoje se expandiu pela internet. Como o próprio nome sugere, ele é uma evolução do “stalking”, e consiste na divulgação mal intencionada de informações pessoais de alguém, seja de documentos, seja de fotos, vídeos, etc. O ataque de dox varia, e pode ir do relativamente trivial – como assinaturas de listas de e-mail ou entregas de pizza falsas – aos mais perigosos – como revelar imagens constrangedoras, assediar parentes, roubar a identidade e demais formas de cyberbullying.

Segundo a pesquisa da ADL, em 2021, 22% dos gamers entrevistados relataram ter sofrido algum tipo de doxxing. Esse número disparou se comparado a 2020, mas ainda está atrás de 2019, onde 29% atestaram ter tido dados sensíveis expostos devido à perseguição de jogadores tóxicos para além do servidor do jogo.

(Divulgação / ADL) 

Algumas dicas para como ser, você próprio, um jogador menos tóxico

É. Aí em cima tem uma série de motivos pelos quais é louvável evitar contribuir com a destilação de rage nos jogos – pois isso atrapalha a todos, inclusive a quem inicia sua propagação. E agora a gente elencou uma sequência de boas práticas para ajudar a relaxar a cabeça e jogar com tranquilidade, independentemente do resultado de vitória ou derrota.

1. Respeito é bom e todo mundo gosta! 🙂

Se o colega de equipe não tá num bom dia, quem é você pra julgar?! Lembre-se que um dia é seu ping que falha, outro dia é seu telefone tocando enquanto você joga… Enfim, faz parte do jogo as possíveis condições adversas. Então, quando outra pessoa estiver mandando mal, tenha em mente que reclamar – ou, pior, xingar – só vai deixá-lo mais frustrado, o que, consequentemente, vai atrapalhar ainda mais o seu desempenho.

2. Se alguém começou a perturbar… é só mutar!

A maioria dos jogos têm recursos para silenciar jogadores inconvenientes. Uma boa dica é: quando alguém começar a falar besteira, apenas ignore e, se aquilo te incomodar demais, silencie. Assim, você não vai ver as besteiras que essa pessoa falar, vai evitar engajar na discussão e consequentemente vai ter mais atenção no próprio jogo.

3. Comemore as vitórias e aprenda com os erros nas derrotas!

No fim do jogo, o que vale é o fairplay. Não custa nada mandar um “GG” de good game no chat após vencer uma partida – sair falando “ez”/ “izi” (gíria para “fácil”) também é um comportamento tóxico. Caso tenha sido derrotado, a melhor resposta é avaliar o próprio game e entender o que deve ser melhorado na próxima. Não adianta reclamar. Pode dar go na próxima!

4. Se não der pra segurar, seja, pelo menos, criativo!

Não tem coisa pior do que discriminação e discursos de ódio em meio às partidas. Se você realmente estiver muito irritado e precisar gritar com alguém para aliviar a raiva, evite fazer xingamentos de cunho opressivo. Você pode, do contrário, prezar por ofensas criativas de tons humorísticos.

Aliás, quais são as suas maneiras de ter um jogo sem toxicidade? Deixe nos comentários. No entanto, não esqueça de nos seguir nas redes sociais para mais informações sobre o mundo da cultura pop.

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Iana Maciel
Bacharelanda de Comunicação Social pela ECA/USP. Filha de Zeus, tributo do Distrito 1 e artilheira de Quadribol da Grifinória. Escondo um passado de jogadora de RPG por trás da cara de brava e da prática de esportes, mas quem me conhece sabe que eu adoro marcar de jogar um LoLzinho nas horas vagas.